A segunda parte da viagem não trouxe paisagens muito diferentes. Entretanto, a vida no Trans-Siberiano está longe de ser modorrenta. Alguns episódios no decorrer da nossa longa marcha em direção ao oeste fizeram questão de afugentar a rotina…
Cena um: Krasnoyarsk
Faço amizade com dois russos, um pouco mais velhos, que estão na cabine ao lado. Um deles insiste em falar na língua natal comigo, mas o outro consegue arriscar umas palavrinhas em inglês, e acaba servindo de intérprete. E como fala o primeiro sujeito. "(…) ah você vai pra São Petersburgo? Que nada, você tem que ir para Krastandar, onde eu moro. Lá é bacana. São Petersburgo, perigoso! Muito bandido. Você sabe que vai ter Olimpíadas de Inverno aqui né? Em Sochi. Você vai vir pra cá? Tem que vir. Olha, você vem pra cá e eu arrumo onde ficar. Anota aí meu telefone. Isso. Me liga quando você vier. Teu nome mesmo? Ah, Robyerto. Que nem o Robyerto Carlos. Brasil, futebol!! Você prefere trem ou avião? E tem trem no Brasil? Não, por quê, tem muita montanha lá? E como vocês fazem? Ah, claro, carro. Que carro você tem? Não acredito, o Sandero é um carro russo, sabia? Que nem o Logan. Aliás olha ali na estrada um Logan!" E blablablablá… Olha, o cara é gente boa, mas depois de duas dessas, passei a viagem inteira fugindo dele que nem o diabo da cruz!
Cena dois: Novosibirsk
O meu outro vizinho de cabine, Richard, anglo-australiano, também mais velho, figuraça, me convida para tomarmos umas cervejas no vagão-restaurante, o que aceito prontamente e de muito bom grado. O cidadão está se mudando da Melbourne para Barcelona e, com certo tempo livre a favor, decidiu fazer o caminho da forma mais divertida, viajando apenas de navio e trem e passando por (quase) toda Ásia e Europa - de modo que boas histórias não faltam. Lá, devidamente calibrados, batemos altos e variados papos, desde o casamento do príncipe da Inglaterra até os limites do crescimento econômico em face dos recursos escassos do planeta (!!!). No canto oposto do vagão, uma senhora obesa com cara de (muito) poucos amigos, sobrancelhas arqueadas e óculos apoiados na ponta do nariz, fazia de uma das mesas seu QG particular - PC, calculadora, papelada e o escambau. Até impressora ela tinha. Certamente era algum tipo de "manager" do trem, se é que isso existe. Pois bem, em determinado momento, o Richard se ausenta do restaurante para regressar dali a uns quatro minutos trazendo seu notebook a tiracolo, com o prosaico objetivo de mostrar as fotos da sua recente passagem pela Indonésia. Foi ele sentar-se de novo e abrir o computador, a velha pôs-se a berrar freneticamente. Salivando e esbugalhada, mais parecendo um buldogue acorrentado, desferiu uma tonelada de impropérios (e impropérios em russo, meu amigo, sai de baixo) na direção do coitado. Vendo que nenhum de nós estava entendendo absolutamente nada, passou a gesticular descontroladamente, apontando para o notebook do Richard e dando a entender que ele tinha que fechar e desligar o dito cujo imediatamente. Ato contínuo, manda a atendente entregar a conta da nossa mesa - ignorando se pretendíamos continuar consumindo ou não -, com o claro propósito de nos despachar dali! Alguma antiga lei soviética proibiria a presença de duas máquinas no mesmo recinto? Teria a marca do laptop do nosso australiano um significado hediondo no idioma local? Acreditaria a nobre senhora que estávamos vendo fotos pornográficas? Não sabemos e, pelo visto, vamos continuar sem saber…
Cena três: Yekaterinburg
Estava lendo tranqüilamente meu livro na cabine (miraculosamente, continuo sem companhia - não posso reclamar!) quando surge a mais bizarra das criaturas na porta. Carregando uma cesta de compras, daquelas de supermercado, uma moça em seus "early 40s" - ou quem sabe "late 40s" mesmo -, com maquiagem carregada, cabelo exuberante, blusa transparente, microssaia, meia arrastão e salto agulha. "Ops, será que ela veio vender seus 'serviços'? Que moderno esse trem!", pensei. Sem esperar permissão, invadiu a cabine e mostrou o conteúdo da cesta: cerveja, energético, refrigerante, salgadinho, chocolate, entre outros quitutes. "Ah entendi, marketing agressivo esse". Como insistisse um tanto além da conta, resolvi comprar uma breja e um pacote de peixe desidratado - em Roma, faça como os romanos - para me livrar da figura. Qual o quê! Mal entreguei o dinheiro para nossa "discreta" vendedora, ela se sentou no banco em frente, abriu a MINHA cerveja e o MEU pacote de peixe - mas fez a "gentileza" de me oferecer um pouco!! E ainda teve a cara-de-pau de perguntar se eu não queria comprar um cigarro pra ela. Rarará! É ou não é a coisa mais estapafúrdia do mundo? Fiquei rindo sozinho, até ela começar a insinuar: "Que sortudo, você está aqui nessa cabine sozinho… Tem espaço de sobra pra mim, não?…" Opa, agora o bicho pegou! Fingi que não entendi nada, fiz cara de conteúdo, comecei a mandar "spasiba" pra cá, "spasiba" pra lá, pra ver se ela se tocava e ia embora - o que surtiu efeito após alguns minutos. E dormi com a porta trancada!
A Elke Maravilha siberiana queria era te dar um Boa Noite Cinderela! kkkkkkkkkk
ResponderExcluirPutz, eh uma boa possibilidade... hehehehe. Ainda bem que estou com todos os meus rins aqui comigo!
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