terça-feira, 14 de junho de 2011

TFM Awards

Pois bem, cá estou em processo avançado de readequação à vida em sociedade - e de reintoxicação em São Paulo. Já encontrei a Gi e minha família; meus amigos encontrarei a partir dessa semana. O que significa que, em breve, estarei pronto pra mais uma!! 

(Hehehe, brincadeira)

A viagem de volta foi boa, apesar da longa turbulência (parecia que tinha alguém me segurando pelos braços e me chacoalhando, e isso durou umas três horas) e da escala em Londres (mas, como vocês já sabem, gosto tanto de lá que até conexão em Heathrow me diverte).


Enfim, agora é sério - depois deste post, finito. Como diria Joey Belladonna: over, finished, done, gone, out. Sem mais TFM. Quem sabe eu não arrumo um outro assunto interessante (vai ser difícil) para desovar o ruído permanente que existe dentro desta cabecinha e continuar importunando meus tolerantes amigos? 

Mas, antes de passar a régua… Todo mundo me pergunta: "de que lugar você gostou mais?", e eu respondo com outra pergunta, "fora o Japão, você quer dizer?" - porque ali é sacanagem, hors-concours. Mas pra fazer justiça, a verdade é que depende muito, cada lugar tem seu encanto. Como eu já tinha dado a deixa no post anterior, aqui vai o sensacional, incrível, tão aguardado (menos, menos)… TFM Awards!

Categoria "Necessidades Básicas"

 - Melhor hostel: Khaosan (Tokyo e Kyoto)

 - Pior hostel: Anker (Oslo)

 - Povo mais simpático: japonês

 - Língua dos infernos: empate técnico entre japonês, russo e islandês

 - Aeroporto mais bacana: Queenstown

 - Calor dos infernos: o primeiro domingão em Prien

 - Frio do cão: Vladivostok

 - Manjar dos deuses: qualquer café da manhã, almoço ou jantar no Japão

 - Maior pecado cometido: comer carne de baleia na Islândia (sorry, 1000 chibatadas, eu sei)

Categoria Sightseeing

 - Paisagem mais inacreditável: qualquer uma na Islândia

 - Melhor "janela de trem": região do Tirol, Áustria

 - Melhor "janela de avião": empate entre as planícies negras da Islândia e as montanhas de Queenstown

 - Melhor programa de verão: Bondi Beach, Sydney

 - Melhor programa de inverno: nevasca com obstáculos em Listvyanka

 - Prêmio Gatorade: trilha em Kampenwand (Bavária)

 - Prêmio desfibrilador: Bungee Jump em Queenstown

 - Cidade mais bacana que eu NÃO visitei: Seul (o aeroporto é demais, rsrs!)

 - Coisa mais bacana que eu NÃO faria em São Paulo: assistir aos treinos da F1 (Melbourne)

 - Cidade dos sonhos: Londres

 - Cidade mais suja: Oslo

 - Cidade mais sinistra: Oslo

Categoria "TFM Também é Cultura"

 - Melhor noitada: Reykjavik

 - Museu mais incrível: Hermitage (St. Petersburg)

 - Museu mais bizarro: MONA (Hobart)

 - Programa cultural inesquecível: empate entre Concerto no Bolshoi (Moscow) e exposição da Annie Leibowitz (Sydney)

 - Maior mico: ver o "show de mulatas" numa balada em Prien

 - Melhor programa de última hora: Iron Maiden ao vivo em Munique

 - Trilha sonora da trip: qualquer uma das bandas islandesas que tocaram na inauguração do Harpa

Categoria "Faz-me-Rir"

 - Maior facada: táxi em Vladivostok

 - Maior barganha: garrafa de vinho na Alemanha

 - Melhor "retail therapy" - bugigangas em geral: Kyoto

 - Melhor "retail therapy" - CDs: Munique

 - Cidade mais barata: qualquer uma no Japão (acredite se quiser!)

 - Cidade mais cara: Oslo

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Hello Goodbye

Engraçado. Sempre achei que aqui na Alemanha eu teria tempo de sobra. Afinal o curso termina, todo dia, pontualmente às 16h30. Mas é impressionante como eu tenho a capacidade de inventar compromissos e atividades sociais. No fim, mal acabei escrevendo no blog, nem comecei meus livros, minhas tão desejadas fartas horas de sono simplesmente não deram as caras e só dei duas corridinhas ao longo do lago. Mas, claro, não me queixo. 

Contribuiu muito o fato de eu ter tido a sorte de pegar uma turma muito, mas muito legal. Fazia tempo que eu não via um grupo "dar liga" tão rápido. Éramos ao todo seis alunos da mesma classe, mais um brasileiro "emprestado" da sala ao lado. Já no segundo dia parecia que nos conhecíamos há algum tempo, e a convivência só melhorou desde então. E olha que eu era a "ovelha negra" ali - o único maluco que não trabalha na mesma empresa e resolveu aprender alemão por conta. Fizemos várias coisas juntos: demos rolê, cozinhamos rango, tomamos algumas, e nas horas vagas (rs) estudamos essa língua do demo. O astral estava tão bom que fizemos amizade até com gente que conhecemos no trem. Apesar das origens, idades e personalidades diferentes, são todas pessoas muito especiais, daquelas cujo contato a gente espera que o tempo e a distância não tratem de esvaziar. 

A escola também foi uma coisa de outro mundo. Você consegue sentir claramente no ar que existe algo especial ali com aquele pequeno grupo - três professoras, sendo que uma é de fato a dona da bola. Rola uma preocupação e um carinho muito verdadeiros com o aluno e com a pessoa, e o nível cultural delas vai muito além do conhecimento da língua propriamente dito. Nunca me diverti tanto numa sala de aula. E me senti muito paparicado - ganhei até presente! Mas o que realmente importa é que, tenho a impressão, devo ter aprendido o equivalente a pelo menos uns dez meses de um curso regular. Claro, o modelo "intensivão", defendido com unhas e dentes pela direção, ajuda; mas o mais legal é que eles não caem na tentação de entupir o aluno de informação prática (leia-se vocabulário e frases feitas sob medida para o ambiente corporativo) sem dar a devida atenção à base da língua (leia-se gramática). A nota triste é que esse curso aparentemente foi o último da escola; devido à crise, à dependência de um único cliente e ao declínio do interesse pelo idioma, o instituto vai fechar as portas (evitemos quaisquer alusões ao meu famigerado "Toque de Sidam", bitte). Mas tomei gosto pela coisa e espero muito que consiga dar um seguimento decente no Brasil. 

Enfim, foi melhor desfecho possível para estes três meses em que tudo, simplesmente tudo, foi sensacional.

* * *


E falando nisso… pois é, meus amigos. A farra tá acabando. Possivelmente esse seja o último post da TFM. Ou pelo menos, o último post enquanto eu estiver "em TFM". 

Confesso que pensei em escrever várias coisas nessa última etapa da tour. Pensei em fazer uma retrospectiva (tipo um "TFM Awards", hehehe!), pensei em comentar coisas práticas da vida "on the road" (ou "on the airport"), pensei em mostrar mais-fotos-ainda-não-publicadas. Talvez eu faça isso uma outra hora. Mas resolvi fazer mais fácil agora. Simplesmente botar pra fora o que eu tou pensando e sentindo.

Todo mundo me pergunta se eu estou triste com o fim da viagem ou feliz por estar finalmente voltando. Juro que não sei responder - deve ser uma mistura dos dois sentimentos. Eu acho que viajar é uma das melhores coisas da vida - e depois de ficar, pela primeira vez, fazendo isso por tanto tempo, tenho cada vez mais certeza disso. Por outro lado, sinto muita falta da Gi, da minha família e dos meus amigos, mesmo tendo sido esta minha viagem mais "conectada". Tão aqui os posts, e os comentários de lado a lado, que não me deixam mentir. 

(Aliás, às vezes me pergunto se antigamente, quando não havia skype, blog, ou sequer internet, uma viagem desse tipo não teria um charme a mais. Cartas para a redação.)

Além das pessoas queridas que me esperam no Brasil, tenho saudade de um monte de coisa. Da minha cama. De escutar os meus CDs ou assistir os meus DVDs de metal. De ver um jogo do SPFC na TV (mesmo que seja ruim de doer). De comer coxinha no Ugue's. De assistir um filme "lado B" na Paulista. Por outro lado, vou sentir falta da adrenalina de conhecer um lugar novo a cada dia. De estar com os meus sentidos aguçados o tempo inteiro. De, quem diria, escrever no blog! E, sorry pelo aparente pedantismo, de viver, mesmo que por um curtíssimo espaço de tempo, em cidades com qualidade de vida láááá em cima. De fora, chega a ser inexplicável como se consegue viver em um lugar bizarro (pra dizer o mínimo) como São Paulo. Mas isso é assunto para outro post. Ou não. 

Fato é que foi tudo demais de bom. Há três meses eu não sabia direito no que eu estava me metendo. Confesso que na véspera (só na véspera) de sair me bateu um frio na barriga e, talvez, um receio de me arrepender - ou simplesmente me encher o saco - no meio do caminho. Claro que é uma viagem de lazer, e algo que eu tanto quis e programei, mas mesmo assim muita coisa podia dar errado. Mas não. Fora os desastres internacionais que se prenunciaram (rsrs), todo o resto também deu muito certo. Não fiquei doente. Nenhum vôo foi cancelado ou atrasado. Não fui assaltado. Não perdi nada pelo caminho a não ser um par de meias - o que é uma proeza em se tratando deste que vos escreve. E, believe it or not, praticamente não choveu! :o

Agora, mais importante que a vida boa, no fim das contas também acho que a viagem serviu ao digno propósito original, que era me "reapresentar" a mim mesmo. Se eu encontrei respostas para os meus dilemas interiores? Hmmm, talvez sim, talvez não. Ainda não sei, e acho que também preciso retomar contato com a realidade e colocar tudo em perspectiva para saber. E isso leva mais um tempinho. Mas quero crer que, hoje, me conheço um pouco melhor e que vou ter mais confiança para, independentemente de quando (ou se) precisar, tomar decisões mais radicais na minha vida. 

Pra arrematar: muita gente me diz que gostaria de fazer a mesma coisa. Só posso responder:  o que você está esperando pra começar a correr atrás? :)

domingo, 5 de junho de 2011

Up & Down

Conforme o previsto, piquei a mula no sábado para Innsbruck, capital do Tirol austríaco. A cidade fica no meio dos Alpes, e apesar de mais conhecida por ser uma estação de esqui, vale a visita em qualquer época do ano. O visual das montanhas cercando a cidade e do rio cinza-esverdeado que a corta é simplesmente magnífico!

O centro de Innsbruck, como muitas das cidades européias, é cheio de calçadões charmosos e construções históricas - com destaque para o Hofburg, um dos palácios imperiais dos Habsburgo. Dada a proximidade, a quantidade de italianos é absurda - o idioma de Paolo Rossi (sorry, foi o italiano famoso que me primeiro lembrei) é certamente o segundo mais falado na região. E adivinhem qual era a outra caravana tão numerosa quanto?? Tá certo que brasileiro é que nem pomba cinza (tem em todo lugar), mas no sábado foi exagero!


Hoje, domingão, fomos com a Iris (moça que conhecemos, e de quem ficamos amigos, dentro do trem, acredite) para uma cidade chamada Aschau, que fica no extremo sul da Bavária, a uns quinze minutos de Prien. Lá fizemos uma trilha em Kampenwand, uma montanha cujo cume fica a 1.700m de altura. Eu achava que seria tranqüilo, mas a partir de determinado ponto você começa a usar mais as mãos que os pés, e a caminhada vira quase uma escalada na pedra! Não preciso dizer que foi sensacional, que a paisagem ali de cima (a montanha fica nos chamados "pré-Alpes") é de tirar o fôlego... e que a descida foi tão emocionante quanto a subida, hehehe!


Depois de muito cansaço (o sol tava a pino hoje), voltamos a Prien pra nadar no Chiemsee. A "praia" local é um gramadão que termina na beira do lago. A água estava bem agradável para os padrões locais, o que significa razoavelmente gelada para os nossos, mas mesmo assim foi bem divertido! 

Será que eu vou conseguir pegar um mínimo de bronze… na Alemanha? :o

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Mutter Dinah

Eu sou a Mãe Dinah da era cibernética. Pra quem duvida, tem uns dois ou três posts perdidos por aqui que comprovam minhas previsões. Depois das efemérides e desgraças em TODOS os lugares que passei (terremoto na Nova Zelândia, incêndios e enchentes na Austrália, tsunami e desastre nuclear no Japão, atentado a bomba na Rússia, ameaça terrorista na Inglaterra e erupção na Islândia), só faltava dar m…. na Alemanha. Mas como minha Tour do Fim do Mundo não é só marketing e realmente traz resultados concretos, taí: centenas de mortes causadas pela tal da bactéria maldita dos legumes.


Eu não sei devo pensar que tenho o toque de Sidam (Midas ao contrário) ou se devo crer que sou o cara mais rabudo do universo - por ter passado sempre um pouco antes ou um pouco depois das catástrofes. Ops, menos agora! Tenho tomate, batata, cenoura e rúcula aqui na minha geladeira. Comer ou não comer, eis a questão! Será que finalmente chegou a minha hora?

Se eu sobreviver a mais esta, você aí que mora em São Paulo, cuidado! Estou voltando dia 12 ;)

* * *

Foto: Chiemsee, Prien

terça-feira, 31 de maio de 2011

The Final Frontier

(Do nada, uma voz grave surge do céu)

— Ei, Roberto!
— Ops, quem falou comigo?
— Aqui em cima. Sou Eu!
— Ah! 
— Então, é o seguinte. Você é um cara bacana, se comportou direitinho na viagem. Vou te fazer uma preza!
— Opa, não precisa, senhor Deus! Eu já me diverti bastante, a viagem tá no fim e…
— Fica quieto, não reclama! Vou te dar um presente, não é sempre que eu faço essas coisas. O que você quer?
— Tipo, qualquer coisa?
— Qualquer coisa!
— Ganhar na loteria?
— Tá, qualquer coisa MENOS ganhar na loteria! Essa não rola, é muita gente pedindo. E, convenhamos, que falta de criatividade!
— Hmmm, então deixa pensar. Sei lá, um show do Iron Maiden!!! Rola?
— Um show do Iron Maiden… É um pedido estranho. Mas tudo bem! Posso providenciar.
— Sério??
— Sério! Não confia em Mim? Terça-feira tá bom?
— Tá! Mas é meio em cima, não? E o ingresso?
— Pô, aí também não dá. Te vira aí! Que eu tenho mais o que fazer agora!
— Beleza! Valeu!!!
— Tchauzinho.

Eu tenho quase certeza que o diálogo acima deve ter rolado de verdade. Era domingo e eu, ainda chateado por ter perdido um show do Amorphis no dia anterior, navegava na Web sem rumo certo. Pulando de link em link, descobri que o Iron Maiden estava fazendo uma turnê na Europa. E, só de curioso, resolvi fuçar as datas. E não é que eles tinham um show marcado pra terça em Munique?? É muito rabo!!

Abre parêntese. Fato um: o Iron Maiden é a maior, melhor e mais seminal banda de heavy metal da história. Fato dois: é a banda que eu mais amo. Se não fosse o Kiss, eu não tinha começado a escutar metal, mas se não fosse o Iron eu não tinha continuado até hoje. Fecha parêntese.


Fui olhar os ingressos e, obviamente, o show estava "sold out" (essas palavrinhas me perseguem). Nem no eBay eu achei. Tive que apelar pra última instância, um site de "fan trade" (uma espécie de cambista virtual legalizado) que meu brother e conoisseur geral das mutretas cibernéticas So havia me indicado. Lá encontrei o ingresso e, após pensar longamente por dois segundos resolvi comprá-lo, mesmo com dois pés atrás sobre se conseguiriam entregar a tempo. Dei o endereço da escola de alemão na expectativa que receberia o dito cujo no mesmo dia do show. Dito e feito: qual não foi minha euforia hoje, após o almoço, ao me deparar com um envelopinho da DHL em cima da minha mesa. Yuuuuuupppppiiii! Parecia uma criança: mal consegui prestar atenção na aula! Findo o dia mais longo do curso, zarpei para a estação de trem e fui pra Munique. Lá tomei o metrô até o Olympiahalle, ginásio que faz parte do complexo esportivo das Olimpíadas de 1972 (de triste memória), onde rolaria o show. 

Abre mais um parêntese. Vamos agora aos mitos e verdades. "Mas você já não foi a uns duzentos shows do Iron Maiden?" Mito. Só fui a cinco! :) "Mas os shows deles não são todos iguais?" Meia-verdade: tem umas seis músicas que nunca saem do repertório, mas o resto sempre muda, e eu gostei bastante do disco novo. "Mas a Eddie não é uma coisa meio ridícula?" Verdade! Fecha parêntese.

Às oito começou a banda de abertura. O Iron sempre gosta de dar um ponto pras bandas novas inglesas (como o horrível Thunder em 1993), e dessa vez não foi diferente. Era um tal de Rise to Remain, mas a banda mandou muito bem, apesar de uma certa "síndrome Soilwork":  estrofe sempre no cacete (ou "pula-pula") e refrão sempre hipermelódico. O vocalista é muito, muito bom (timbre e técnica), porém as músicas são meio parecidas e, por isso, nada me saltou aos ouvidos - pelo menos de primeira.


Às nove em ponto rola "Doctor Doctor", do UFO, nos falantes (a costumeira "deixa" para o Iron entrar) e, em seguida, a introdução gigantesca do disco novo. As primeiras são "The Final Frontier" e "El Dorado", emendadas no primeiro clássico da noite: "Two Minutes to Midnight". A partir daí a platéia, de umas cinco mil pessoas (aliás, que legal ver o Iron em um lugar menor do que estamos acostumados no Brasil!), estava completamente conquistada, e a banda alternou sons novos e antigos - como manda o figurino. Me desculpem, mas não tem como não se emocionar com "The Trooper", "The Evil That Men Do" ou mesmo "Blood Brothers" - mesmo que você as tenha escutado um milhão de vezes na sua vida. Porque o Iron, além de tudo aquilo que eu disse lá em cima, ainda é, provavelmente, a melhor banda ao vivo que existe. Os caras têm talento, estrada, e o principal: muito tesão pelo que fazem. Isso tudo aos cinquentinha! E como canta o Bruce, meu amigo!

O som estava perfeito e eu peguei um lugar sensacional - acho que nunca tinha conseguido ver e escutar tão bem um show do Iron. Depois de duas horas, zilhões de fotos tiradas, duas Eddies gigantes e um final de cortar os pulsos com "The Number of The Beast", "Hallowed Be Thy Name" e "Running Free", restava sair correndo (sem trocadilho) pra pegar o último trem da noite em direção a Prien - não sem um sorriso idiota estampado na cara.


E claro que fiquei camarada do alemão ao meu lado no ginásio. Impressionante como nesses shows de metal você se sente íntimo de todo mundo que tá ali, mesmo sem ter, a princípio, qualquer outra afinidade ou proximidade - ainda mais num país diferente. Mas enfim, é como dizia a camiseta de um cara que estava na minha frente: "You'll Never Bang Alone"…

PS - Esse post é dedicado ao Anderson e à Roberta, que sempre disseram que os fãs de Iron Maiden são os mais chatos do mundo. Depois de ter escrito (e lido) tudo isso, não consigo discordar! :p

sábado, 28 de maio de 2011

Surfin' FRG

Não, não resolvi dar uma "passadinha" no Hawaii. A foto abaixo foi tirada em pleno Englischer Garten em Munique. Se me falassem eu não acreditaria, mas uns malucos surfam, literalmente, no riozinho que corta o parque. Não me peçam pra explicar, que eu não sei como funciona a bagaça. Só sei que meus amigos Alê (do trampo) e Alê (da banda) iam adorar!


Munique é a capital da Bavária, provavelmente o lugar que melhor justifica os estereótipos alemães - os caras pançudos com trajes típicos, as mulheres de vestidos longos e os Biergartens. De modo que, além de estudarmos alemão (somos CDFs ou o quê?) na casa de uma colega de curso - aliás, que turma bacana! -, fomos fazer o programão de turista da cidade, que é visitar a Hofbräuhaus. Lá tomei uma bela caneca de um litro de breja, acompanhada por algo que devia ser um legítimo pernil de brontossauro (só podia, pelo tamanho), que não pude deixar de pedir após vê-lo no prato da mesa em frente.

Já de volta a Prien, temo que dentro de alguns minutos cairei numa tremenda cilada - bater ponto numa tal "festa brasileira" num tal de "Hacienda" (é, você entendeu! Ou não?). 

Tudo pela camaradagem… ;) Tschüss!

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Aftas chiarden Doen...

Ops, demorou mas chegou (o post, hehehe). Fiquei meio preguiçoso nesta semana, confesso. Acho que também não queria aborrecer ninguém com divagações sobre pronomes possessivos ou sobre o uso do artigo definido masculino nos casos nominativo e acusativo. Basicamente são desse tipo as minhas fontes de preocupação nesta semana. Mas tá realmente divertida a brincadeira. A escola parece ser bem boa e achei a professora sensacional (thanks Fe e Dedé pela dica!), e acho que estou aprendendo mais e mais rápido do que esperava - o que, ainda assim, não quer dizer muita coisa. Mas já dá pra travar um diálogo básico no restaurante e não morrer de fome. 

Também está divertido "brincar de casinha" em outro país, e fazer o programa que provavelmente mais nos ensina sobre os costumes locais: ir ao supermercado! :)

O clima esteve bom a semana toda, mas foi só chegar sexta-feira que o tempo fechou (aqui também é assim, veja só!) - o que, porém, não vai me impedir de dar um rolê neste finde. Nada muito complexo, na verdade. Minha idéia inicial era ir para Zurique e emendar em um show do Amorphis que vai rolar ali perto, mas acabei desistindo. Entre outras coisas, descobri que não há trens diretos entre Munique e a Suíça (embora a distância não seja grande, você tem que fazer em média umas três conexões e a viagem demora umas seis horas) e a hospedagem por ali é o olho da cara. Então, ficará pra próxima (snif), e provavelmente me pirulitarei para Munique mesmo. 

Outras opções "internacionais" interessantes são Salzburgo e Innsbruck, na Áustria - com mais probabilidade para a segunda, que ainda não conheço. Quem sabe no próximo fim-de-semana - que será, aliás, o último da TFM... :p

segunda-feira, 23 de maio de 2011

I am a Viking

OK, cá estamos de volta ao convívio social - e virtual. Juro, depois de uma semana confinado em um mundo que parecia perfeito - paisagens de tirar o fôlego, comida sensacional, energia positva de sobra, e muito tempo pra refletir, conhecer melhor a si próprio e encontrar pessoas muito bacanas -, não é nada fácil retomar contato com a, digamos, "vida real".

Apenas voltando um pouco no tempo, há mais ou menos uma semana estava eu em Oslo verificando que a cidade decaiu muito de cinco anos pra cá - ou seja, desde quando a visitei pela primeira vez. Relativamente suja (para os padrões escandinavos, claro), com muita gente na rua pedindo dinheiro, e transmitindo uma leve e inesperada sensação de insegurança no ar. Estranho! Pra compensar, em mais uma dessas coincidências doidas da viagem, calhou de que o dia em que eu iria para Hedalen - duas horas a noroeste da capital - era 17 de maio, o dia nacional dos caras. É impressionante: simplesmente todo mundo sai às ruas empunhando suas bandeiras vermelho-e-azul e rola um mega-desfile (este não é militar, ufa!) com crianças de todas as escolas da cidade. E a maioria das mulheres, nesse dia, coloca seus trajes típicos. Muito legal! Eles são bem orgulhosos dessa data, pelo que pude depois confirmar conversando com alguns locais.


O retiro em si… bom: foi uma experiência realmente incrível. Foi a primeira vez que fiz algo do gênero e gostei pra caramba. Vou aqui nos poupar de quaisquer comentários ácidos sobre situações pitorescas (é claro que elas existem), mas não seria de bom-tom e nem faria jus ao resultado final da coisa toda - que foi bem positivo. De fato é impressionante como a gente precisa de um certo isolamento e distanciamento do nosso dia-a-dia pra realmente se concentrar nas nossas próprias questões e enxergá-las com mais clareza (desculpem o discurso boa-praça batido, mas é a mais pura verdade). Não que você saia dali com todas as respostas que você precisa, mas no mínimo volta mais centrado e com a alma reforçada. Foi mais do que um simples espaço para meditação - foi uma pequena jornada espiritual, coisa que, confesso, estava faltando um pouco pra mim nos últimos tempos. Enfim, quem quiser conversar mais sobre o assunto, estou disponível para umas cervejas. A partir de 13 de junho, frise-se! E aproveito o intervalo comercial para mandar um "thanks" pro meu brother Alê e para meus colegas-e-amigos Mauro e Land, que me deram o caminho das pedras :)


Hoje já estou na "fofa" cidade de Prien am Chiemsee, perto de Munique, na Alemanha, onde darei início a mais uma jornada - tão difícil quanto, e talvez mais sofrida - que é tentar aprender essa língua desgracenta. Durante os últimos meses cansei de responder à mesma pergunta: "Por que diabos vocé resolveu aprender alemão? Não serve pra nada e é uma língua feia do caramba!"

Sem discordar, prefiro ater-me ao simples e pueril "porque sim"… :)

domingo, 15 de maio de 2011

Saga

Cá estou, sem o menor glamour, dentro da lavanderia do hostel, já de volta a Londres, tentando me distrair um pouco enquanto enfrento esta agonizante e desinteressante espera pela próxima fornada de roupa - pela qual paguei os olhos da cara. Coisas de mochileiro, enfim.

Fazendo uma rápida recapitulação de ontem, acabei indo mesmo no tal do Harpa e vi quatro bandas islandesas se apresentando na seqüência. Haveria muitas outras depois, mas resolvi dormir mais cedo para recompor um pouco das energias. Algumas constatações básicas: (1) o lugar é bem bonito, por dentro e por fora; (2) fiquei impressionado com a qualidade das bandas, gostei MUITO de pelo menos três delas; (3) os roadies ali são supereficientes, pois a cada meia hora o palco tinha que ser todo arrumado para a próxima banda - em apenas sete minutos! Mas falando um pouco mais sobre as bandas, o que ficou claro é que, independentemente do estilo, todas buscam uma identidade própria e parecem ter liberdade artística para fazer o que bem entenderem com seu som. Tudo isso, somado a uma formação musical decente, não tem como dar errado. Como é bom ver (e escutar) música assim! 

Após míseras quatro horas de sono e momentos infernais no aeroporto de Reykjavik (entre 7h40 e 7h50 saem uns oito vôos, é uma montanha de gente sendo despejada ao mesmo tempo nas filas de check-in), fiquei pensando nos dias anteriores e em como curti a Islândia. Em poucas palavras - valeu muito a pena ter tido esse "surto" de ir pra lá!


Voltando o raciocínio a Londres. Hoje decidi "pagar uma dívida" e visitar Camden Town, lugar que inexplicavelmente nunca estive antes. Resolvi chegar até lá caminhando pelo Regent's Park e ao longo do canal que leva até lá (foto) - muito agradável o passeio. Nos mercados da área (Camden Lock e Stables - esse último, a definição mais próxima da palavra "labirinto"), vende-se de tudo e come-se de tudo. Pra quem precisa de "retail therapy" (é incrível como acham palavra bonita pra qualquer coisa), o que não era especificamente o meu caso, Camden Town é um paraíso.

Amanhã continuo a minha saga (palavra de origem islandesa, by the way!) em direção à Noruega, e como já tinha adiantado aqui (ou não - já nem me lembro mais do que escrevi), passarei a semana como uma legítima alma elevada, meditabundando e comendo veggies em um lugar isolado a mais ou menos uma hora de Oslo. Sinceramente não estou contando com a probabilidade de ter acesso a internet ou celular - o que, convenhamos, tiraria toda a graça da coisa -, de modo que minha "legião" de leitores também terá um retiro espiritual forçado deste que vos escreve. See ya!

sábado, 14 de maio de 2011

Round and Round

Reykjavik deve provavelmente ostentar o recorde de bares e casas noturnas por metro quadrado. Ou por habitante. Aqui a vida boêmia é agitada - talvez uma das mais agitadas que eu vi nessa viagem. O fato de escurecer (e mahomeno) bem tarde colabora - o povo fica tomando cerveja e emenda na balada. Agora, vou te contar, sai cara a noitada! Mas pelo menos nenhum lugar cobra pra entrar, o que ajuda bastante. E isso gera um fenômeno interessante: o povo fica mudando de bar a noite toda, à medida em que acaba a música em um, o outro fecha, aquele mia. Acaba virando uma espécie de peregrinação, e as ruas da cidadela ficam bem animadas. When in Rome, comecei ontem tomando cerveja num pub básico (onde, confesso, me diverti com uma dupla que tocava "crássicos" do rock), passei para uma balada eletrônica (que estava bem caída), uma casa de heavy metal (sim senhor!, e onde se apresentava uma banda de "doom" metade-bacana-metade-tosca) e finalizei num point GLS "moderado" (ainda bem que tinha o "S"). E adivinha? Era o lugar mais bombado e com o melhor som da noite! Pra variar...


Hoje de manhã fui fazer o tal do whale watching. Essas coisas são sempre um tiro no escuro, você pode encontrar milhões de baleias saltitantes num dia e no outro não ver absolutamente nada. Em meio a alarmes falsos, à convicção da guia que havia passado na nossa frente um grupo de golfinhos ("500 meters, twelve o'clock!" - e confesso, não vi p**** nenhuma), duas baleias emergiram bem pertinho do barco, o que já valeu o passeio. Em seguida fui, finalmente, visitar o tal do Blue Lagoon, um complexo geotermal que virou, talvez, o principal ponto turístico daqui. Mas faz jus, pois é realmente muito bacana - e a água é, de fato, de um azul impressionante, graças (acredito) aos minerais e à sílica próprios do local. 

Daqui a pouco vou visitar a inauguração do Harpa, um centro de música e convenções que pretende (isso sou eu quem está dizendo) ser um marco visual e cultural da cidade mais ou menos como a Opera House está para Sydney - inclusive do ponto de vista arquitetônico, já que o projeto aqui também é moderno e polêmico. Aliás, na cidade só se fala nisso, e cá entre nós a casa está sendo inaugurada sem a fachada estar totalmente finalizada - culpa dos chineses que forneciam o ferro das estruturas externas, conforme jogou no ventilador o arquiteto responsável. É meu amigo, pensa que no primeiro mundo não tem bafão também?

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Jason Lives

Hoje é sexta-feira treze. Mas só tinha me dado conta disso quando o ônibus que me levava para os gêiseres quebrou no meio do caminho. E, claro, no meio do nada. Mas os caras da companhia foram mega-eficientes, conseguiram um busão reserva rapidinho pra nos pegar, e tudo voltou aos trilhos - ou melhor, ao asfalto. Falando em superstição, fiquei impressionado ao saber que na Islândia muita gente acredita em duendes (ou elfos, ou trolls, ou "the hidden people", como eles preferem chamar) e leva o assunto a sério. Bom, espero que "the hidden people", ou seja lá quem for, não tenham feito o ônibus quebrar só pra se vingar do meu desprezo à crença. Será??…


O passeio inteiro tava incluído no pacote que comprei, mas se achava que seria só um "engana-turista", caí do cavalo (aliás os cavalos daqui são únicos, minha amiga KK iria adorar). Conheci o Mr. Geysir - fenômeno, digamos, pioneiro que acabou batizando a "classe" -, mas que hoje anda meio caído, ao contrário de seu vizinho Strokkur, de cuja erupção consegui tirar o instantâneo acima. Além disso, fomos até a beirada de uma queda-d'água impressionante chamada Gullfoss, e passamos por dentro do parque nacional Thingvellir. Esse parque, berço da civilização islandesa e patrimônio histórico da UNESCO, é um dos poucos lugares onde se pode ver a junção entre as placas tectônicas da América e da Eurásia. 

Aliás, por absoluta coincidência, trombei ontem no UOL com uma notícia que fala exatamente sobre esse lance das placas. Vale a pena dar uma olhada: http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultimas-noticias/bbc/2011/05/12/mergulhador-fotografa-divisao-entre-placas-tectonicas-na-islandia.jhtm

Fire and Ice

Uma coisa que tinha me deixado chateado foi não ter conseguido visitar os glaciares na Nova Zelândia; meu roteiro ali teve que ser todo modificado por causa do terremoto em Christchurch. Mas vê só como são as coisas: não deu dois meses e estou em um país em que glaciar é o que não falta. Somados, cobrem mais de 10% da superfície da Islândia!

Então, lógico, tinha que ser minha prioridade - até pra fazer valer o nome do país, certo? Pra começo de conversa, meu destino era, como tudo aqui, impronunciável: um tal de Sólheimajökull. A primeira coisa que você faz é amarrar uma armação metálica, com cravos específicos para caminhar sobre o glaciar, na sola do sapato (não sei qual é o nome daquilo). Depois de uns vinte passos com desenvoltura zero, no melhor estilo "Transformer-segurando-a-vontade-de-ir-ao-banheiro" - claro, baita medo de tomar um capote e rolar geleira abaixo -, a coisa fica natural e você até esquece que tá usando o treco. 


O cara que me orientou na aventura é um belo exemplo da recente crise financeira que se instalou na ilha. Ele é arquiteto - formado simplesmente na Bauhaus (!) - e ficou sem emprego, como uma boa parcela dos islandeses. Ao invés de sair do país, como muitos fizeram - diminuindo ainda mais a já exígua população -, apelou para o hobby. Se ele ganha bem não sei, mas pelo menos se diverte! O cidadão parece conhecer bastante do riscado, pois me explicou, visivelmente empolgado, zilhões de detalhes sobre o glaciar: como se forma, como se desenvolve, o que significam as fendas, porque há cores diferentes aqui e ali, quanto já regrediu - um mundo de informações que eu nunca imaginara. 

Uma coisa muito louca é que a maioria dos glaciares da Islândia estão assentados sobre vulcões. Este aqui não era exceção, e imagine a minha "alegria" ao saber que o tal do Katla pode entrar em erupção a qualquer momento. A última vez foi há 90 anos, mas a sua freqüência histórica é entre 40 e 80 - ou seja, já tá atrasado! Além disso, a erupção do "Eyja" (só pra simplificar), que rolou no ano passado, tem grandes chances de provocar este, pois estão muito próximos entre si. Desconfiado, fui olhar na Wikipedia e olha o que achei: "In the past 1,000 years, all three known eruptions of Eyjafjallajökull triggered subsequent Katla eruptions (…) within months". É isso aí; não quer emoção, fica em casa, certo?

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Isoland

Na minha santa ignorância, eu achava que Björk e Sigur Rós eram casos isolados; que a Islândia não tinha uma cena musical relevante. Acho que me enganei! Uma das coisas que descobri hoje é que a indústria musical daqui é superforte e profissional: são muitas bandas e artistas (quantidade até desproporcional ao tamanho do país) e tem até um festival anual, chamado Iceland Airwaves, cujo objetivo é servir de catapulta pros grupos independentes. E, pelo visto, existe público pra tudo isso: em uma breve caminhada pela cidade, achei várias lojas de CDs e todas com seções inteiras dedicadas à música local (dominada pelo indie pop). Pelo que escutei até agora, tem muita coisa boa. Pena que ainda a maioria das bandas ainda não seja tão conhecida no exterior.


Nessa mesma caminhada, deu pra sacar que Reykjavik (a capital e maior "metrópole" da Islândia) é muito simpática e tem jeito de cidadezinha do interior. Tem igreja (tá certo, uma bela duma igreja) e coreto (mentira, nem coreto tem), as pessoas todas se reconhecem e se cumprimentam nas ruas e as casinhas não tem cerca. Também pudera, moram aqui cerca de 120 mil pessoas. Isso dá meras cinco Araçoiaba da Serra! :o

Mas os caras parecem ter senso de humor. Encontrei nas lojas de suvenires (sempre elas!) desde latinhas hermeticamente fechadas contendo "o puro ar da Islândia" (hilário!) até um gelo preto que nunca derrete (esse parece ser "de verdade"). Sem falar nas camisetas com dizeres sensacionais. A melhor delas tinha estampado um vulcão em erupção e a maravilhosa frase: "Don't f*ck with Iceland - we may not have cash, but we have ash"...

* * *

Neste exato momento são quase uma da manhã e ainda não escureceu completamente.

terça-feira, 10 de maio de 2011

London Calling

Preciso fazer uma declaração de amor, e não é pra Gi desta vez. Eu amo Londres. Eu a tinha colocado propositadamente logo em seguida à minha "overdose de Rússia" para o caso de precisar de um tratamento intensivo de civilização. E, como disse meu amigo Samé, para me lembrar que ainda sou capaz de estabelecer comunicação verbal em uma língua inteligível. Mas foi só chegar na cidade pra cair a ficha que, o que eu queria mesmo - mas não tinha me dado conta ainda, pelo menos de forma consciente - era ter essa sensação de "feels like home" (com o perdão da redundância), depois de tanto tempo fora. Por alguma razão que desconheço, me sinto muito confortável e à vontade aqui, a ponto de me pegar sorrindo que nem besta, sem nenhum motivo aparente, ao andar pela cidade.


Eu adoro o sotaque britânico. Eu adoro escutar "miiiiind the gap" no metrô. Eu adoro ver na rua todos os ícones mais manjados: os ônibus de dois andares (que o Jânio tentou copiar em SP), os táxis pretos (que hoje em dia não são mais só pretos), as cabines telefônicas (que resistem bravamente nesta época de celulares onipresentes), os guardinhas da realeza (que, sempre tenho a impressão, estão se segurando pra não dar risada). Eu adoro o clima de diversidade cool que é tão próprio da cidade. Mesmo assim, não me arrependo um centímetro de ter trocado minha semana aqui por uma ilha perdida no Círculo Polar Ártico. Mas que dá vontade de morar por estes lados algum dia, ah isso dá.

* * *

Pra não perder o costume, eis o pente fino geral no país dos cossacos:

 - A Rússia e o Brasil têm mais coisas em comum do que a gente imagina. Além da corrupção no governo (ah vá!), existe toda uma cultura de "novo-riquismo" que nós paulistanos conhecemos muito bem. É um tal de exclusividade, ostentação e mau gosto que chega a ser constrangedor. Principalmente em Moscou, onde as baladas usam e abusam do "face control" e onde você vê limusine o tempo todo na rua.

 - Os russos são amáveis, gentis, confiáveis e prestativos. Bom, isso depois de quebrado o gelo (na verdade, um iceberg) inicial, porque o primeiro contato é sempre muito difícil. É aposta certa que se você abordar um russo, em qualquer situação, vai enfrentar cara amarrada e má-vontade. Mas tendo jogo de cintura e, lógico, lançando mão de umas duas ou três palavrinhas introdutórias em russo, a coisa vai bem. E se o cara se sentir confortável e gostar de você, pronto: ganhou um amigo pra vida toda.


 - Eu falei da beleza do metrô de Moscou, mas não falei da eficiência. Dizem que há mais pessoas usando o metrô em Moscou por dia do que em Londres e Nova York - juntas (!). É bem capaz de ser verdade, a julgar pelo movimento insano nas horas de rush. Mas a coisa funciona que é uma beleza: a freqüência dos trens (eles vêm a cada minuto) e a velocidade (eles vão no maior cacete) seguram as pontas numa boa. E pra se ter uma idéia da profundidade das estações, demora-se em média quatro minutos só na escada rolante (eu cronometrei…rs).

 - Além disso, a cidade é cheia de passagens subterrâneas. Algumas lúgubres, outras que mais parecem um shopping center. Em muitas avenidas de grande circulação, simplesmente não há por onde atravessar pela superfície. E ai de você se tentar…

 - … porque tem policiamento em tudo quanto é lugar. Aliás, tem lugar em que tem mais policial do que gente (pronto, acabei de dizer que policial não é gente, hehehe). Por alto, você tem a impressão que pelo menos uns 20% dos russos tém algum tipo de autoridade (policial, guarda de trânsito, militar, marinheiro, etc), tal a quantidade de gente uniformizada que existe nas ruas.

 - Todo banheiro público cobra pelo uso. Normalmente eles são podres (ai que saudade do Japão!) e caros - mais ou menos o equivalente a R$ 1,50. Bom, até aí tudo bem, mas os caras tem a manha de cobrar até por banheiro químico! Vê se pode…

domingo, 8 de maio de 2011

White Nights

Ainda faltavam duas coisas imperdíveis: tomar vodca, claro, e conhecer as famosa noite de São Petersburgo. O que, convenhamos, convergem para a mesma coisa. Foi o que fiz anteontem, depois de escrever o último post. Éramos eu e seis russos, o que significava garantia de lugar freqüentado pelo pessoal da cidade (fugindo assim dos "tourist traps") e menor probabilidade de encrenca com a policia no caminho. Pra completar, o gosto do pessoal bateu com o meu, de modo que ao invés de acabarmos em um irish pub ou em algum lugar "posh" (o equivalente do nosso "pleiba"), fomos parar num lugar bem alternativo: uma espécie de armazém desativado, numa área bem detonada da cidade. E foi demais! Aqui a cena é bem animada, com clubes novos abrindo toda semana, e que começa a ferver mesmo bem tarde (lá pelas três). Fico imaginando como será durante as "noites brancas" - época, geralmente no final de maio, em que praticamente não anoitece na cidade.

De volta ao hostel com o dia já raiando, ainda consegui dormir umas horinhas antes de enfrentar um dia de ressaca master.  Fiz uma escolha difícil: o museu Dostoevsky, que fica na casa em que ele morou durante seus últimos anos de vida (foto). Mas não me arrependi: com o audio guide colado na orelha (que eu havia inicialmente recusado, mas tive que sucumbir diante das poucas informações disponíveis em inglês), aprendi pra caramba sobre a vida e a obra do cara, que usou São Petersburgo como cenário na maioria das suas histórias.


E neste exato momento em que escrevo, acabo de voltar, virado, de mais uma balada. Não por acaso, está sendo o post mais difícil de terminar, hehehe! Mas olha, pra quem não aproveitava a "nightlife" desde Sydney, duas na seqüência é uma marca respeitável... E de novo, valeu a pena. Além do ótimo som e da presença de mais gringos na tchurma (um finlandês, um sueco, um inglês, um turco e um suíço), presenciei algumas cenas surreais - como o término brusco da balada às seis da matina, com o leão-de-chácara do local simplesmente tirando o equipamento do DJ da tomada! Sem falar na menina que passou mais de quatro horas na mesma posição - sentada numa poltrona com a perna cruzada. Parecia em estado de choque, rs! Bom, hoje bebi bem menos e a ressaca não vai dar as caras, mas provavelmente não vou conseguir dormir - ainda quero ver as festividades de 9 de maio na parte da manhã, e à tarde tomo vôo para Londres, dando assim adeus à Mãe Rússia...

sábado, 7 de maio de 2011

La Armada

Dentro do bólido verde-limão da Siberian Airlines rumo a "Piter", lia as seguintes informações sobre a cidade: há muitos trombadinhas, policiais corruptos extorquem turistas todo o tempo e a água corrente é contaminada. Já tinha escutado também que a cidade era suja. Pra completar, logo que cheguei a Gi me mandou um SMS dizendo que, por coincidência, havia visto no dia anterior um programa na TV que, basicamente, confirmava algumas dessas informações e adicionava outras de teor similar. Fiquei pensando, "que é que eu vim fazer aqui?"… Afinal de contas, viagem é pra relaxar e não ficar pisando em ovos o tempo todo, certo?

Mas como não tinha muito remédio, resolvi fazer o famigerado "reconhecimento de terreno" assim que cheguei à cidade, pois já era meio da tarde e não dava mais tempo de visitar algum museu ou coisa do tipo (não sem antes fazer minha boa ação do dia - acompanhar dois americanos, mãe e filho, visivelmente perdidos, até a porta do hotel deles, que ficava na mesma região que o meu). Nesse rolê deu pra ver, apesar da garoa fina que caía, que, pelo menos, a cidade é bonita pra caramba. 


Hoje fui "cumprir tabela" (no melhor dos sentidos) no Hermitage - na frente do qual estava rolando, adivinhem!, um desfile militar (caramba, me sinto na URSS). O museu, gigantesco, provoca duas reações simultâneas: euforia (a coleção é absolutamente sensacional) e frustração (é impossível conhecer e absorver tudo o que tem lá). E o prédio em si é maravilhoso - você fica em dúvida se olha para as salas ou para as obras. No fim, consegui ver o mais importante em três (!) horas e saí com a sensação de que é, sim, o maior e melhor museu do mundo. Em seguida, com o tempo bem melhor que o dia anterior, cruzei "n" pontes (a cidade está assentada sobre algumas ilhas e diversos canais a cortam) e descobri que tem até praia por aqui - considerando que "praia" significa uma porção de areia de um lado e água do outro. Terminei o dia em um museu bem interessante sobre o cerco a Leningrado durante a II Guerra e uma visita a um prédio antigo em que funciona uma espécie de coletivo artístico - com estúdios de arte e baladas alternativas.

Algumas comparações rápidas com Moscou: "Piter" me pareceu ainda mais bonita - principalmente mais "colorida", já que, descontando a Praça Vermelha, os prédios em Moscou são um tanto cinzentos; aqui é mais fácil se comunicar em inglês; e encontrei muito mais turistas - especialmente espanhóis, por alguma razão que desconheço. Um verdadeiro exército deles! Escutei a língua de Cervantes em todo lugar: em meio às hordas de turistas no Hermitage e até nas feirinhas de suvenires. E como esse povo pechincha! Deve ser a herança moura… :)

Bom, por enquanto a impressão que tive é a melhor possível, contrariando as especulações tenebrosas do início do post. Espero até amanhã não me arrepender do que estou dizendo…

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Russian Roulette

Só pra contrabalançar, hoje bati o recorde de "furos" em um mesmo dia. Senão, vejamos: o mausoléu do Lenin (segunda tentativa) continuava fechado, o Museu de Arte Moderna de Moscou abria mais tarde excepcionalmente, o mercado de Izmaylovo só rola nos finais-de-semana, o bairro de Kitay Gorod foi isolado pelo policiamento e, pra finalizar, o bar Rolling Stone que eu tanto queria conhecer só funciona às sextas e sábados. É mole ou quer mais? E tudo isso eu descobri indo até cada um dos lugares e dando com a cara na porta em todos. Ou seja, por baixo, perdi umas quatro horas nesse calvário, somando tudo. Me senti que nem o simpático animal da foto.


Mesmo assim não dá pra reclamar. Conheci de tudo e fiz de tudo em Moscou, a ponto de dar bolha no pé (desculpe o excesso de detalhe, mas a força da expressão era necessária, rs). E mesmo nesse dia maldito, consegui visitar o novo Tretyakov (com obras incríveis de Kandinsky, Chagall e outros artistas russos menos conhecidos) e um legítimo "banya". Este último é um tipo de sauna em que o nível de masoquismo beira níveis estratosféricos: você alterna entre temperaturas ferventes (na sauna) e congelantes (nas piscinas), fica se martirizando com um ramo de eucalipto e vê um monte de homem pelado. Eita povo esquisito! :)

Amanhã cedo vou pra São Petersburgo, última etapa do rolê russo (não confundir com roleta russa, please).

* * *

Pois é, o Obama estourou o cafofo do Osama (e o próprio). E a minha Tour do Fim do Mundo ganha em emoção, já que Londres volta a ser um dos alvos da vingança fundamentalista. Eu avisei no primeiro post, vocês lembram! Agora só falta rolar treta na Alemanha e na Noruega - questão de tempo. Aliás, na Islândia também - não resisti e troquei uns diazinhos em Londres por Reykjavik… :p

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Follow the Moskva

Cumprida a epopéia ferroviária! Dois continentes, dez mil quilômetros e cinco livros depois, estou em Moscou. Na verdade desde anteontem - é que ainda não tinha dado tempo de escrever, hehehe… Mas basta dizer que a trip foi sucesso total! Valeu (de novo!) pelas vibes, que sem dúvida tornaram a viagem muito tranqüila - e divertida. E um "special thanks" ao meu amigo Bloka, que foi o primeiro que botou essa minhoca na minha cabeça! 

Ontem fiz a ronda básica na capital. Eu sempre tento fazer no primeiro dia tudo aquilo que eu faria se só tivesse um dia. Ou seja: Kremlin (dá pra passar horas lá dentro; mas o mais legal foi ter pego uma exposição temporária sobre o Carl Fabergé), Praça Vermelha (na verdade um pátio gigante, só isso) e Catedral de São Basílio (esse sim, o verdadeiro cartão-postal de Moscou, linda por fora e bem curiosa por dentro; como bem disse a Gi, a "matrioshka das igrejas", pois são nove dentro de uma). De quebra ainda resolvi visitar o Museu Histórico do Estado, que fica num prédio lindo ao lado do Kremlin. Mas esse dá pra dispensar numa boa. A múmia do Lenin (literalmente) não deu pra conhecer - o horário de visitação já tinha acabado. Aliás, a Praça Vermelha foi fechada mais cedo ontem para os ensaios do desfile militar do dia 9.


E hoje andei, andei, andei. Resolvi seguir uma sugestão do guia e fazer um "walking tour" de dez (!) quilômetros que passa pelos principais parques da cidade, terminando na Universidade de Moscou. Eu adoro esses passeios que o livro sugere, porque você vai tentando "achar" os pontos turísticos que ele indica ao longo do caminho. E o Lonely Planet não tem foto, o que torna a "descoberta" mais legal. O ponto negativo foi o tal do Gorky Park (dá-lhe Scorpions!), que nada mais é do que um parquinho de diversões safado, e que ainda por cima estava todo em obras, cheio de terra e barro.

Depois de andar, andar, andar, pela primeira vez resolvi passear de metrô. Digo, usar o metrô não como meio de transporte, e sim visitar as estações. E descobri que tudo o que dizem sobre o metrô de Moscou é verdade: é o mais lindo do mundo. Simplesmente paguei uma passagem e fiquei saindo e entrando do trem, só pra ver as obras-primas que são as estações. Chega a ser piada. Uma mais bonita e impressionante que a outra! Mosaicos, alto-relevos, afrescos, vitrais, candelabros… São mais lindas, na verdade, que muitos museus. O engraçado é que as pessoas, já tão acostumadas, passam correndo sem notar as preciosidades que estão à volta…


E, por fim, mais um daqueles lances de sorte que só acontecem com quem viaja. Consegui ingresso em cima da hora para ver um espetáculo no Bolshoi, que era uma coisa que eu queria muito. O detalhe foi "o" espetáculo. Dividido em três partes, tinha pra todos os gostos: um balé de Tchaikovsky, uma ópera de Mussorgsky e um concerto de Rachmaninov - simplesmente três dos russos mais ferrados da música. O cara que conduziu a orquestra em todas as peças, Gennady Rozhdestvensky, é um dos maestros mais premiados do mundo. E foi apresentação única, ou seja, era hoje ou nunca. Ou seja: a-ni-mal!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Act II

A segunda parte da viagem não trouxe paisagens muito diferentes. Entretanto, a vida no Trans-Siberiano está longe de ser modorrenta. Alguns episódios no decorrer da nossa longa marcha em direção ao oeste fizeram questão de afugentar a rotina…

Cena um: Krasnoyarsk

Faço amizade com dois russos, um pouco mais velhos, que estão na cabine ao lado. Um deles insiste em falar na língua natal comigo, mas o outro consegue arriscar umas palavrinhas em inglês, e acaba servindo de intérprete. E como fala o primeiro sujeito. "(…) ah você vai pra São Petersburgo? Que nada, você tem que ir para Krastandar, onde eu moro. Lá é bacana. São Petersburgo, perigoso! Muito bandido. Você sabe que vai ter Olimpíadas de Inverno aqui né? Em Sochi. Você vai vir pra cá? Tem que vir. Olha, você vem pra cá e eu arrumo onde ficar. Anota aí meu telefone. Isso. Me liga quando você vier. Teu nome mesmo? Ah, Robyerto. Que nem o Robyerto Carlos. Brasil, futebol!! Você prefere trem ou avião? E tem trem no Brasil? Não, por quê, tem muita montanha lá? E como vocês fazem? Ah, claro, carro. Que carro você tem? Não acredito, o Sandero é um carro russo, sabia? Que nem o Logan. Aliás olha ali na estrada um Logan!" E blablablablá… Olha, o cara é gente boa, mas depois de duas dessas, passei a viagem inteira fugindo dele que nem o diabo da cruz!

Cena dois: Novosibirsk

O meu outro vizinho de cabine, Richard, anglo-australiano, também mais velho, figuraça, me convida para tomarmos umas cervejas no vagão-restaurante, o que aceito prontamente e de muito bom grado. O cidadão está se mudando da Melbourne para Barcelona e, com certo tempo livre a favor, decidiu fazer o caminho da forma mais divertida, viajando apenas de navio e trem e passando por (quase) toda Ásia e Europa - de modo que boas histórias não faltam. Lá, devidamente calibrados, batemos altos e variados papos, desde o casamento do príncipe da Inglaterra até os limites do crescimento econômico em face dos recursos escassos do planeta (!!!). No canto oposto do vagão, uma senhora obesa com cara de (muito) poucos amigos, sobrancelhas arqueadas e óculos apoiados na ponta do nariz, fazia de uma das mesas seu QG particular - PC, calculadora, papelada e o escambau. Até impressora ela tinha. Certamente era algum tipo de "manager" do trem, se é que isso existe. Pois bem, em determinado momento, o Richard se ausenta do restaurante para regressar dali a uns quatro minutos trazendo seu notebook a tiracolo, com o prosaico objetivo de mostrar as fotos da sua recente passagem pela Indonésia. Foi ele sentar-se de novo e abrir o computador, a velha pôs-se a berrar freneticamente. Salivando e esbugalhada, mais parecendo um buldogue acorrentado, desferiu uma tonelada de impropérios (e impropérios em russo, meu amigo, sai de baixo) na direção do coitado. Vendo que nenhum de nós estava entendendo absolutamente nada, passou a gesticular descontroladamente, apontando para o notebook do Richard e dando a entender que ele tinha que fechar e desligar o dito cujo imediatamente. Ato contínuo, manda a atendente entregar a conta da nossa mesa - ignorando se pretendíamos continuar consumindo ou não -, com o claro propósito de nos despachar dali! Alguma antiga lei soviética proibiria a presença de duas máquinas no mesmo recinto? Teria a marca do laptop do nosso australiano um significado hediondo no idioma local? Acreditaria a nobre senhora que estávamos vendo fotos pornográficas? Não sabemos e, pelo visto, vamos continuar sem saber…

Cena três: Yekaterinburg

Estava lendo tranqüilamente meu livro na cabine (miraculosamente, continuo sem companhia - não posso reclamar!) quando surge a mais bizarra das criaturas na porta. Carregando uma cesta de compras, daquelas de supermercado, uma moça em seus "early 40s" - ou quem sabe "late 40s" mesmo -, com maquiagem carregada, cabelo exuberante, blusa transparente, microssaia, meia arrastão e salto agulha. "Ops, será que ela veio vender seus 'serviços'? Que moderno esse trem!", pensei. Sem esperar permissão, invadiu a cabine e mostrou o conteúdo da cesta: cerveja, energético, refrigerante, salgadinho, chocolate, entre outros quitutes. "Ah entendi, marketing agressivo esse". Como insistisse um tanto além da conta, resolvi comprar uma breja e um pacote de peixe desidratado - em Roma, faça como os romanos - para me livrar da figura. Qual o quê! Mal entreguei o dinheiro para nossa "discreta" vendedora, ela se sentou no banco em frente, abriu a MINHA cerveja e o MEU pacote de peixe - mas fez a "gentileza" de me oferecer um pouco!! E ainda teve a cara-de-pau de perguntar se eu não queria comprar um cigarro pra ela. Rarará! É ou não é a coisa mais estapafúrdia do mundo? Fiquei rindo sozinho, até ela começar a insinuar: "Que sortudo, você está aqui nessa cabine sozinho… Tem espaço de sobra pra mim, não?…" Opa, agora o bicho pegou! Fingi que não entendi nada, fiz cara de conteúdo, comecei a mandar "spasiba" pra cá, "spasiba" pra lá, pra ver se ela se tocava e ia embora - o que surtiu efeito após alguns minutos. E dormi com a porta trancada!

When Hell Freezes Over

(Isso aconteceu já faz uns bons quatro dias, mas merecia um relato detalhado…)

Logo cedo, alguma coisa parecia estar errada: o carregador do meu notebook, que estava ligado na tomada, não piscava mais a luzinha como de costume. Fui até o interruptor e confirmei minhas suspeitas: estávamos sem luz no chalé. Bom, e banho, rola? Tentei abrir o chuveiro e nada. Não deu dois minutos e a senhoria bateu à porta, com um galão de água na mão. "Here. For shower. No light, no water". Ops, tudo bem, quem sabe não temos um dia lindo para compensar esse começo sinistro? Afasto as cortinas e eis que tenho a visão do inferno (se ele tivesse congelado): a nevasca do século estava rolando lá fora, explicando a falta de energia e água em todo o vilarejo.

Juro que não consigo entender. Há uma semana, passei pela mesma situação (bem menos crítica, é verdade) em Vladivostok e me garantiram que havia sido uma exceção. "It's almost May already!", disseram. Bom, fato é que estamos cada vez mais perto de maio e a paisagem novamente é de alto inverno. Minha primeira preocupação foi checar com d. Tatjana se minha condução agendada para voltar a Irkutsk estava confirmada - não era o que parecia, olhando pela janela. Dito e feito: dali a uns cinco minutos ela me procurou e vaticinou: "Car not get here. Don't worry, bus go eleven". E que horas são? "Ten thirty. Better hurry!" Voei e fechei minhas malas de qualquer jeito, não sem antes perguntar se ela achava mesmo que o busão iria rolar normalmente naquela nevasca. Ela deu um sorriso e respondeu, impávida: "Of course! This is Siberia…"

OK, é mesmo, se eles sobrevivem normalmente naquele inverno brabo, por quê não hoje? Mesmo assim, vendo a minha cara de pânico - estávamos a uns dois quilômetros do ponto de ônibus, e nevava e ventava de modo realmente assustador -, d. Tatjana, muito gentil, destacou uma brava colega para me acompanhar até lá. Vencida a distância - não sem alguns escorregões da minha parte e rajadas de gelo no rosto -, encontramos alguns outros infelizes que lá já estavam à espera congelante do ônibus que finalmente nos conduziria à civilização. A moça, cujo nome infelizmente não sei até agora (mas tenho um palpite que seja Natasha - porque toda russa se chama Natasha...), prontificou-se a esperar comigo até que o bumba chegasse. Eu disse que estava super agradecido e que ela podia voltar, se quisesse - desnecessariamente, pois além de não entender inglês, vi que ela não arredaria pé mesmo.

Após quarenta minutos de expectativa agonizante, eu já perdendo a fé, eis que passa um cidadão, aparentemente bem-informado, e lança algo em russo que claramente significava algo como "galera, desencana que o busão tá preso no caminho e não vai chegar aqui nem a pau!" Não deu outra: o povo dispersou e sobramos eu, minha corajosa acompanhante e um casal de mochileiros - que também tinham horário para pegar o trem e estavam tão perdidos quanto eu. P*rra, d. Tatjana, aqui não é a Sibéria?? Sem pestanejar, disparei para os gringos: "Let's share a taxi?" - sem ter a mais puta idéia se HAVIA algum por perto. Felizmente "táxi" aqui é "tacsi", de modo que a russa entendeu e se apressou em perguntar para dois caras que estavam do outro lado da rua - oportunisticamente, claro - quanto cobrariam para nos levar a Irkutsk. "Three thousand rubles", atiraram. Desesperados, gritamos quase que ao mesmo tempo "deal!!" e nos refugiamos imediatamente dentro do carro, quase sem palavras para agradecer à "Natasha", e praticamente criogenizados.


Mas a brincadeira estava só começando. Sabe aquela sensação que você pode estar se metendo numa fria (sem trocadilhos, por favor), mas voltar atrás pode ser ainda pior? A única vez que eu tinha sentido isso foi na trilha voltando de Bonete (Ilhabela), sob o maior toró e correndo o risco de ficar ilhado no meio da mata. Pois bem, voltei a sentir, porque, meu amigo, dali em diante a nevasca só fez piorar. Não se via nenhum outro carro além do nosso na estrada. Aliás, corrigindo: não se via estrada nenhuma. Era só um monte de neve pra tudo que é lado, e batendo com toda força no pára-brisas. Eu não tenho a menor idéia de como aqueles caras conseguiam se localizar enxergando meio palmo à frente - e foi ficando óbvio que o ônibus não tinha mesmo a menor chance de chegar em Listvyanka. 

De um jeito ou de outro, íamos avançando em meio à tempestade apocalíptica. Ao longo do caminho víamos, em meio ao nevoeiro, carros enguiçados, atolados ou sendo empurrados (já me via fazendo o mesmo em breve). O intrépido motorista, porém, passava ao largo de tudo isso, cabeça erguida, e metia o pé no acelerador da caranga, que sambava pra lá e pra cá, deslizando sobre a grossa camada de neve que se havia formado sobre o asfalto. Mais adiante, ainda antes da metade do percurso, uma fila indiana de veículos parados com o pisca-alerta aceso (alguns deles, inclusive, dando meia-volta) indicava mais problemas: um deslizamento de neve obstruía parcialmente a pista. Qual o quê! Nosso Dick Vigarista ignorou solenemente mais uma vez e ultrapassou todo mundo, se enfronhando nos cantos menos prováveis da estrada e, sob o olhar atônito (e alguns xingamentos) dos outros motoristas, cruzou mais um trecho aparentemente intransponível!

Quando tudo parecia superado, eis que, mais alguns quilômetros à frente, três árvores tombadas bloqueavam o caminho. Bom, agora sim, f*deu, né? Meninos, eu vi com esses olhos que a terra há de comer algum dia: nosso Incrível Hulk (o cara era grande mesmo) saiu do carro tranqüilamente e, sem a menor cerimônia, tratou de arrastar os troncos pra fora da estrada! Comecei a achar sinceramente que nada mais nos deteria, nem se rolasse uma mega-avalanche! De fato, mais meia horinha e estávamos entregues, sãos e salvos, na estação de trem de Irkutsk. E a tempestade seguia, firme e forte. Eu e meus novos colegas - irlandeses indo para a Mongólia, descobri no caminho - nos entreolhamos, mal acreditando no que havia acontecido. 

Dentro da estação, tendo finalmente trocado meu e-ticket pelo bilhete definitivo, comecei a respirar aliviado - principalmente por saber que, apesar de tudo, o trem não iria atrasar. Foi quando, dèja-vu, escutei uma voz no meio da multidão: "Roberto!!!" Olhei pro lado e era a Olga, a moça com inglês perfeito que me levara a Listvyanka - e que deveria ter feito o percurso de volta comigo, não tivesse ficado ilhada em Irkutsk. Ela me olhou, incrédula, e soltou: "I can't believe you managed to get here!"

Dei um sorriso e respondi, impávido: "Of course! This is Siberia…"