quinta-feira, 28 de abril de 2011

Balalaikal

Ao descer do trem, uma moça com inglês perfeito (milagre dos céus!) me esperava para me levar até Listvyanka, um vilarejo de 5km de extensão espremido entre o lago Baikal, de um lado, e uma fileira de montanhas, de outro, e adornado por várias casinhas de madeira. No caminho, conversando com a Olga (por que toda russa se chama Olga?), ela me disse que, em seis anos trabalhando com turismo na região, eu sou só o terceiro brasileiro que aparece. Ato contínuo, descobri também que perdi uma grana: muitos russos adoram colecionar moedas raras, e aqui as do Brasil, obviamente, são caríssimas - mas, claro, não havia nenhuma comigo pra contar história. 

Estou hospedado numa das tais casinhas de madeira. Na verdade, trata-se de um chalé que uma senhora construiu no quintal da sua propriedade, justamente para receber turistas. Ele é bem bonitinho e razoavelmente equipado por dentro, porém por fora lembra a mansão Bates - a rua sem qualquer iluminação (é preciso usar lanterna) e o estilo, digamos, despojado da senhora que aqui vive só favorecem a comparação. À noite, precisei diminuir a calefação porque acho que a dona Tatjana (por que toda russa se chama Tatjana?) se confundiu com a temperatura do "banya" - a sauna russa. A menos que ela tivesse querendo me cozinhar e servir com batatas.

Aqui escurece bem tarde, em torno de dez da noite, então deu tempo de tirar algumas (várias) fotos do Baikal no final da tarde - o sol refletido na superfície quebradiça do lago estava maravilhoso. Aprendi em outras viagens que esse tipo de oportunidade a gente não pode perder, pois nunca se sabe como vai estar o tempo no dia seguinte. 


Realmente a profecia se concretizou e hoje o dia amanheceu com mais nuvens - mas nada de chuva, que é o que importa. Preencher o tempo neste lugar que parou no tempo é um desafio, mas consegui achar um museu a céu aberto com casas antigas que foram transportadas de diversas partes da Sibéria. Em muitas delas você pode inclusive entrar, e estão decoradas com móveis e objetos de época. O mais interessante é que esse lugar fica a uns 20km de Listvyanka, e o microônibus que eu peguei na ida e na volta foi a experiência mais próxima do cotidiano local (ou seja, descoberto de qualquer véu turístico) que eu consegui ter até agora. Eu estava sentado em um banco próximo ao motorista e que ficava meio de lado, então eu tinha ter uma visão privilegiada do resto do ônibus. A coisa que eu mais queria era ter tirado uma foto daquele monte de gente com a cara mais "russa" do mundo (um dia acho que vou conseguir explicar o que é isso…), mas infelizmente não rolou. No mais, comi o tal do "omul", um peixe que, dizem, só tem aqui. Verdade ou não, fato é que o peixe é bom demais!

Amanhã volto a Irkutsk para continuar a minha viagem de maluco, desta vez até a civilização (assim espero) moscovita. Keep the good vibes coming! :)

Siberian Khatru

Meu trem saía tarde de Vladik (já estou íntimo!) tarde - dez e vinte da noite, pra ser mais preciso. Mesmo assim, resolvi não ocupar meu dia com muitas atividades. Estava tão focado na viagem - e, convenhamos, não havia nada mais tão incrível para conhecer na cidade -, que me dediquei a dormir bem, lavar minhas roupas, arrumar a mala com calma e estudar o trajeto do trem - com uma ajuda valiosa do Andrej, que imprimiu uma versão atualizada do site da RZD, a empresa ferroviária russa.

Lá pelas cinco, me despedi do pessoal do hostel - na verdade, do Yuri, o único que ali restava (afinal, era domingo de Páscoa) e fui para o centro. Precisava ainda sacar uma grana (aqui é difícil aceitarem cartão) e comprar algumas provisões no supermercado, pois não tinha certeza de como seria o esquema da comida no trem. Lá, passei batido da sugestão do Andrej, um enlatado de carne chamado "tuschonka" (que me pareceu uma bela gororoba ao se deixar visualizar através da compota de vidro), e comprei coisas mais básicas, como água (inadvertidamente com gás, reincidindo no meu erro mais comum em viagens), suco, pão, torradas, geléia, maçã e um Polenguinho russo - além de um pequeno estoque de papel higiênico próprio (vai que precisa!…). Também aproveitei pra providenciar alguma leitura, e felizmente encontrei uma livraria aberta. Tá certo que a oferta de títulos em inglês não era muito vasta, mas consegui pelo menos levar dois Conan Doyle e um G. K. Chesterton - talvez as histórias de mistério combinem com o astral da viagem :) -, somando-se ao Murakami e ao livro sobre carreira (sorry, não pude evitar) que comprei em Nagoya - muito embora tudo que eu queria mesmo era um Dostoievski!

Cheguei na estação com umas duas horas de antecedência, suficientes para admirar a arquitetura e a decoração do prédio - de uma imponência decadente, mas bela - e tentar adivinhar quais dos que estavam no saguão iriam pegar o Trans-Siberiano comigo. Seria aquele bafo-de-onça caindo pelas tabelas? Ou a senhora com o filhinho? Ou aquele grupo de amigas? Ou aquele trio de tajiquistaneses mal-encarados? Provavelmente todos, porque aquela hora da noite, meu amigo, só tinha mais um trem para sair. 


Chegada a hora, adentro o comboio chamado "Rossiya 001", pintado com as mesmas cores e o mesmo padrão da bandeira russa - três faixas horizontais em branco, azul e vermelho. Para minimizar o choque, dessa vez esbanjei e resolvi pegar o melhor tipo de vagão, um equivalente de primeira classe, com apenas duas camas em cada compartimento. Pra completar, dei sorte e não fui "agraciado" com nenhum colega, de modo que tenho ganhei um espaço só pra mim!! E que, confesso, superou meus melhores sonhos - tem TV e rádio (que, vá lá, funcionam de vez em quando), tomada, uma mesinha com bolachas e chá, cabides, espelho e espaço razoável para guardar minhas duas mochilas. Claro que, ao fazer essa opção, abro mão da sociabilidade e das histórias mais divertidas que certamente rolariam em outros vagões; mas, ao mesmo tempo, diminuo meu risco de pegar uns "maletas sem alça" e de ter minhas coisas afanadas. 

Descobri também que cada vagão tem pelo menos uma "provodnitsa" - uma espécie de "bedel" da turma, invariavelmente uma senhora gordinha -, que é quem efetivamente manda no pedaço. Tente conquistar a simpatia da tia e terá uma verdadeira mãezona - caso contrário, uma generala (existe esse termo?). Acho que elas gostaram de mim; uma delas inclusive protagonizou uma mímica digna de Marcel Marceau para me perguntar se eu preferia comer no restaurante ou ser servido. É claro que fui ao vagão-restaurante, afinal é um dos locais do trem onde alguma coisa acontece. O simpático ambiente tem uma decoração um tanto kitsch (nada que me surpreendesse): mesas em madeira escura, alguns espelhos aqui e acolá, cortinas de cor vinho com detalhes em dourado e algumas luzinhas de Natal acima do bar. A comida é bastante boa - minha primeira experiência foi um salmão muito bem-feito e uma sopa de batatas que estava de comer de joelhos.

* * * 

Aqui todo mundo me olha como se eu fosse um extraterrestre. Quando falo que sou do Brasil (em uma das três frases curtas em russo que decorei), invariavelmente esboçam um sorriso e, ao mesmo tempo, fazem uma cara de estupefação. E desandam a falar um monte de coisa que eu não entendo. Como nenhuma das palavras é "samba", "carnaval" ou "Ronaldo", devem estar perguntando algo como "que diabos você esta fazendo neste fim-de-mundo?". Certeza.

Embora o compartimento tenha televisão, pra mim a grande diversão da viagem é olhar a "outra TV" que fica do lado oposto: a janela do trem. Durante o dia, é impossível ficar alheio à seqüência de imagens que passam lentamente (a velocidade do trem está longe, muito longe, da de um shinkansen). A vegetação predominante, pelo menos nos primeiros quilômetros, é composta por arbustos rasteiros de cor amarelada, solo de uma cor marrom-escuro como nunca vi, e árvores secas e branquinhas como se tivessem sido pintadas à mão, e está assentada sobre um relevo bastante plano. Paisagem esta que é quebrada somente pela presença de cidades aparentemente fantasma, com casas muito, mas muito detonadas e estações de trem absolutamente ermas, que surgem do meio do nada. Pra não dizer que não há traços de civilização, o celular pega (bem) em alguns lugares, e vez ou outra cruzamos com comboios de carga, transportando, em sua maioria, minério e óleo.  


O trem pára na maioria das estações, mas geralmente por apenas dois ou três minutos. Porém, nas cidades maiores, como Khabarovsk (que, pude constatar, é bem mais bonitinha que Vladivostok), a parada pode chegar a meia hora, o suficiente para comprar alguma coisinha e se dar ao luxo de conhecer um ou dois quarteirões da cidade - com olho fixo no relógio, afinal ninguém quer ser abandonado em algum vilarejo do meio do "Russian Far East" (que não é a Sibéria - é mais longe!). Falando em relógio, os horários dos trens, em qualquer lugar da Rússia, seguem todos o fuso de Moscou. O que de início parece esquisito logo se mostra bem eficiente, afinal a Rússia tem nove fusos horários - e este trem passa por quase todos -, o que tornaria ainda mais confuso (desculpem o trocadilho) tentar entender os horários locais. Por isso agora tenho três (!) relógios: o de pulso, que marca o horário local; o do celular, que marca a hora de Moscou; e o do computador, que segue com o saudoso horário de Brasilia! :) 

No terceiro dia, o rádio desandou a funcionar. De início, desanimei quando vi que os três primeiros canais correspondiam basicamente ao áudio dos programas da TV. O quarto canal (e último), porém, me reservava uma bela duma surpresa: heavy metal cantado em russo!! Uau! A banda é um clone sem-vergonha do Iron Maiden, mas beleza, dá pra escutar! Que demais. Adorei a primeira música, de modo que esperei ansiosamente pela segunda. "Hmmm, conheço isso de algum lugar", foi minha reação imediata. Ah, sim - era a musica anterior, repetida… Bom, pra encurtar a história, passou-se algum tempo e notei que o canal fica tocando, simplesmente, A MESMA música o dia inteiro, todos os dias! Rarará! Deve ser a única musica da única banda de metal da Rússia! 

À medida em que rumávamos para oeste, a paisagem inóspita passava a conviver, gradativamente, com colinas, rios (semi-congelados) e casas mais ajeitadinhas, e o verde foi ganhando espaço na folhagem das árvores. Essa mudança foi acontecendo ao mesmo tempo em que as nuvens iam embora - o que embelezou o cenário, melhorou ainda mais o astral da viagem, e deu um empurrãozinho extra aos meus instintos fotográficos -, culminando com um pôr-do-sol que eu esperava ver em todo lugar, menos na Sibéria…


No quarto e último dia de trem, já esperava que o trem, em algum momento, passasse a margear o Lago Baikal - um dos momentos mais aguardados da viagem e destino da minha única parada. Porém, mesmo assim consegui me surpreender com a vista que tive quando os trilhos alcançaram a beira do lago: ele surgiu ainda congelado, branquíssimo, mais parecia um salar. Muito lindo! Em outros trechos ele já está descongelando, formando em sua superfície diversas rachaduras e elevações - cenário não menos incrível. 

Finalmente, às seis da tarde desço em Irkutsk, de onde pego uma condução para o povoado de Listvyanka para curtir dois diazinhos fora do trem - e, só então, encarar o comboio novamente em direção a Moscou. Last but not least - queria aproveitar e agradecer demais pela torcida e pelas boas vibes de todo mundo. Pelo visto deram mais do que certo, já que a primeira metade dessa viagem foi não menos que perfeita! :) 

sábado, 23 de abril de 2011

Vladik

Acordei, olhei pela janela e tomei um susto: havia nevado bastante durante a noite. As ruas estavam todas branquinhas! Até o povo aqui está surpreso, afinal estamos quase em maio, bem longe do inverno. Bom, não posso reclamar - afinal trata-se de uma bela duma bela paisagem tipicamente russa. Apesar de aparentar uns vinte graus negativos, a temperatura lá fora estava bastante suportável - devia estar "só" um par de graus abaixo de zero. 

Fiz amizade com três holandeses que estão no hostel e fiquei ainda mais feliz quando soube que um deles falava russo fluentemente - o maluco está estudando ciências florestais, ou algo do gênero, em um lugar remoto das redondezas, e os outros dois vieram visitá-lo. Decidi me juntar ao grupo para rodarmos a cidade e descobrir os seus parcos atrativos turísticos. Respirei aliviado por ter alguma companhia - o cenário meio desolador seria uma primeira impressão bem pior se eu estivesse sozinho. Além do mais, aqui é mil vezes mais complicado que o Japão em termos de comunicação: ninguém, absolutamente ninguém, fala inglês e todas as informações estão escritas em cirílico - cujos caracteres já estou quase dominando, mas entender o que as palavras significam são outros quinhentos. 

No caminho descobri que os três são ornitólogos (!) e a primeira parada foi um breve "birdwatching" que, vá lá, tava, digamos, incluído no "pacote" de acompanhar os caras**. Após terem avistado algumas gaivotas - raríssimas, disseram, mas para mim eram somente gaivotas, hehehe -, pegamos o busão detonado em direção ao centro. A parte mais legal (e bota legal nisso!) do rolê foi ter entrado em um submarino soviético da II Guerra Mundial, o S-56, cuja maior façanha foi ter afundado simplesmente dez navios nazistas. Vladivostok é uma cidade com forte histórico naval militar - tendo inclusive estado fechada a estrangeiros por uns sessenta anos em função de sua importância estratégica - e você pode encontrar diversos navios da Marinha russa dando bobeira no porto. 


Abre parêntese. Uma coisa a notar é que os carros aqui são todos japoneses - Toyota, Honda, Suzuki, Mazda e Daihatsu devem responder por no mínimo 95% da frota - e importados de segunda mão. Ou seja, o volante fica é no lado direito, mas o tráfego segue o padrão ocidental. Uma zona, portanto. E nada de Lada (sorry pela rima). Fecha parêntese.

Os holandeses falaram tão mal dos restaurantes russos - "horrible", "disgusting" e "grosse" foram os termos mais leves - que fiquei com a expectativa lááá embaixo. Mas procurei no meu guia (aquele mesmo, que comprei no aeroporto de Sydney no primeiro dia!) e acabei achando uma ótima opção. O lugar era tipo buffet, em que a comida fica à vista e torna a escolha mais fácil. Pedi lingüiça, batata e chucrute, acompanhado de salada de beterraba. Apesar de não soar nem um pouco apetitoso, estava realmente bom. Incluindo uma torta de frutas vermelhas, não paguei mais do que oito dólares! That means, já tenho onde almoçar amanhã. :)

Não mais que de repente, o sol apareceu e derreteu rapidinho a neve, que foi substituída por aguaceiro e lamaçal. Mas o dia ficou bem bonito, tornando toda a experiência mais agradável. Despedi-me dos holandeses, que iam tomar um trem para outra cidade, e caminhei por conta mais umas três horas, já me achando o dono da cidade. Minhas roupas passaram com louvor no teste, pois agüentaram firme a friaca - apesar de eu estar vestindo praticamente tudo o que estava na minha mala, hehehe! 

Chegando ao hostel, fiquei o tempão batendo papo com o Andrej, um dos caras que trabalha aqui (e que sabia tudo sobre futebol brasileiro!) e acompanhando ele e a namorada fazerem os ovos de Pascoa para amanhã. Atenção, não são ovos de chocolate - são ovos de verdade, que, após cozidos, recebem uma pintura colorida (ou um tipo de adesivo com motivos cristãos) e são servidos com um pão doce que lembra muito o nosso panetone. Foi tão divertido que, no fim, já nem lembrava mais do inóspito início do dia.

Amanhã, finalmente, embarco no Trans-Siberiano. Quem quiser mandar boas vibes, receberei-as com gosto. :) Acho que estou preparado para uma das coisas mais bizarras que já fiz na vida, hehehe! Novas notícias, somente daqui a uns cinco dias - na melhor das hipóteses. Vou sentir falta de escrever, quem diria...


** Curiosamente, foi a terceira vez em que lembrei de algum episódio do Pica-Pau nessa tour; as outras duas foram quando pulei do Bungy (o povo assistindo ao lado da ponte parecia aqueles caras de capa amarela acompanhando a descida de barril nas Cataratas do Niágara) e quando assisti ao Barbeiro de Sevilha na Ópera de Sydney (essa nem precisa explicar…).

sexta-feira, 22 de abril de 2011

War

O avião pousa em Vladivostok. Juro que achava que esse dia não ia chegar. Pra mim (assim como pra nove entre dez caras da minha geração), Vladivostok era apenas uma cidade estratégica do famoso jogo de tabuleiro "War" - quase fictícia, portanto. A paisagem combinava bem com o clima de filme de espionagem: o dia estava nublado, chuvoso e cinzento até dizer chega. A segunda vitória do dia foi ter passado pela alfândega. Como previa, encrecaram com o fato de eu não ter um visto (nosso pais é um dos poucos que mantém acordo de isenção recíproca de vistos com a Rússia), o que significa que pouquíssimos brasileiros devem vir pra esse pedaço do mundo. Mas beleza, depois de um ou dois telefonemas para alguém mais patenteado, me liberaram.

O aeroporto é a coisa mais tosca e minúscula que eu já vi na vida. Até o de Fernando de Noronha é maior. "Decido" pegar um táxi ao ver que é a única opção que me resta. O trem que levaria à cidade ainda não ficou pronto, e o último ônibus saíra às cinco - e já eram oito horas de uma noite ainda clara. De modo que tive que desembolsar os olhos da cara ao motorista, desfazendo-me dos poucos rublos que havia. No fim, acabei pagando feliz da vida: o aeroporto fica a uma eternidade do centro. São 42 quilômetros que, graças ao transito caótico, à estrada horrorosa (cheia de buracos, me fez lembrar aquela que vai do Rio a Visconde de Mauá), às obras em praticamente todo o percurso (o horário faziam-nas parecer abandonadas) e ao dilúvio que caía (que tornou a viagem praticamente um rali na lama), foram cumpridos em duas sofridas horas - escutando dance music cantada em russo (!) ao lado de um cara gente boa, mas que não falava uma palavra de inglês e, novidade, não conseguia encontrar o hostel. Aliás, quando fui pesquisar na internet, só encontrei dois: este em que estou, e um outro curiosamente no mesmo endereço - tratava-se do mesmo, porém com o nome antigo! Ou seja, é o único na cidade… 

Uma série de prédios decadentes do período soviético (todos igualzinhos) e construções inacabadas acompanharam-nos ao longo do caminho - mais melancólico, impossível! Com certeza, nenhuma outra cidade justificou mais do que Vladivostok o título deste blog até o momento. Enfim, tenho aqui dois dias (debaixo de chuva e talvez neve - estamos circundando o zero grau, ou seja, um batia calor, hehehe!) até começar minha jornada pelo Trans-Siberiano. Vamo que vamo…

PS - Hoje o post vai sem foto mesmo - não consegui tirar nenhuma ainda...

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Nihon

Aproveitando o ensejo, vamos mais uma vez mencionar alguns fatos curiosos (e outros nem tanto) amealhados ao longo das últimas semanas sobre a civilização recentemente visitada.

 - Como era de se esperar, havia pouquíssimos estrangeiros (que eu os tivesse reconhecido como tais) visitando o Japão. Ao mesmo tempo, deu pra conferir in loco que a vida segue normal nos lugares em que estivemos. Sem terremoto, sem radiação, sem tsunami, sem racionamento de comida, sem falta de água, sem apagão. A rigor, a única coisa triste que percebemos foi que alguns dos letreiros luminosos de Shibuya, Shinjuku e outros bairros movimentados foram desligados voluntariamente para minimizar o impacto sobre o fornecimento de energia. Em suma, confirmando a profecia do mestre ABF, de fato resultou sábia a decisão que eu e a Gi tomamos!

 - O japonês tem esse plobrema de trocar os Ls com os Rs, e isso gera algumas situações engraçadas - por exemplo, cartazes anunciando novos produtos como "new allival", CDs do "Nilvana" e coisas desse nível. E no geral eles tem dificuldade com o inglês (a propaganda de restaurante abaixo é hilária; não entendi até que horas posso fazer o "last oder" nesse restaurante). Eles escutam melhor do que falam e lêem melhor do que escutam, e tudo isso beeem mais ou menos, mesmo em locais turísticos. Mas a maior parte das informações importantes pra um viajante estão escritas em inglês, e em muitos casos se usa o alfabeto romano como alternativa ao kanji, de modo que não passamos por grandes apuros (talvez um pouco em Okinawa - ali a coisa é triste nesse sentido). 


 - Eles comem em tempo recorde (uma média de 5 a 10 minutos - parecia que eu e a Gi sempre estávamos demorando uma eternidade pra terminar os pratos); trabalham muito (às 10 da noite os trens ainda estão abarrotados de executivos indo pra casa - e todos de gravata e terno escuros); são extremamente organizados (ninguém atravessa a rua fora da faixa, e só o fazem no sinal verde de pedestre, mesmo que seja quatro da manhã e não haja nem sombra de qualquer veículo em um raio de 1km); obsessivos por higiene (os banheiros públicos que vc encontra, seja na rua ou no restaurante mais suspeito, são sempre tão limpos quanto os da sua casa); e silenciosos (no metrô poder-se-ia ouvir as moscas voando, caso houvesse). 

 - Usa-se muito bicicleta, e elas têm alguns privilégios, o que torna a vida do pedestre um pouco emocionante. Mas uma coisa engraçada é que, mesmo em lugares absurdamente cheios, onde todo mundo corre pra todo o lado pra não perder o trem, ninguém se tromba! Eles desenvolveram alguma habilidade sobre-humana, talvez uma espécie de sonar vinculado a um escudo magnético invisível, que impede qualquer contato físico entre dois japoneses!

 - Um CD é muito caro, e como eles não fazem downloads ilegais, é muito comum encontrar lojas de aluguel de CDs (!). E o mais bizarro, lá se vende discman ainda! Essa eu não entendi mesmo.

 - O meu vocabulário de nihongo (japonês) aumentou exponencialmente nesse período. Já estou falando três palavras: arigatou, sayonara e uma outra que esqueci. :) E aprendi que, se quiser fazer uma pergunta, é só colocar "desuka" (fala-se "deská") no final da frase. Acho que é uma espécie de palavra mágica ou ou tradutor universal, pois eu colocava no final de qualquer frase - mesmo em português - e acho que o povo entendia tudinho, pois desandavam a falar! Rarará! Na próxima viagem, preciso achar a palavrinha-chave equivalente pra tradução reversa!

 - E a melhor constatação de todas: me senti, pela primeira vez na vida, uma pessoa alta. :)

Ji-ze-ra

No momento em que escrevo estas mal-traçadas linhas (esse começo é muito manjado, hehehe), acabo de me despedir da linda Gi. Que tristeza, esses vinte dias passaram tão rápido! Vai ser difícil me desacostumar à companhia dela… e vou parando por aqui com quaisquer descrições sobre nossa despedida para não esbarrar na breguice explícita! :)


Estou no shinkansen indo para Nagoya, de onde parte o meu vôo para a Rússia amanhã. Lá começa uma parte, digamos, bastante "diferente" da viagem - em todos os sentidos. Além de voltar a um dia-a-dia mais solitário, é difícil imaginar coisas tão diametralmente opostas como Japão e Rússia. Creio que, em comum, apenas a indecifrabilidade (essa palavra eu acabei de inventar) dos idiomas. Aqui começa a aventura de verdade: estou preparado (acho) para ser extorquido pela polícia, para ficar mais esperto com malandragens em geral e para algum nível considerável de desorganização. Atenção, sem preconceitos aqui - esse é só um resumo do que de pior escutei sobre o país em minha pesquisa de campo. Por outro lado, espero também ver paisagens belíssimas e um povo receptivo. 

A segunda metade da trip será "diferente" também porque, daqui pra frente, o intuito deixa de ser meramente turístico: o Trans-Siberiano, assim como meus períodos subseqüentes na Noruega e na Alemanha, tem propósitos diversos de crescimento pessoal, espiritual, educacional, etc etc… Enfim, não me perguntem qual vai ser a "cara" dos posts futuros - eu não sei também. Mas não estranhem se, ao invés de histórias divertidas sobre lugares e choques culturais de toda sorte, encontrarem tanto divagações existenciais quanto comentários aleatórios sobre, por exemplo, as maçanetas das portas das casas na Bávaria. Da mesma forma, não se surpreendam se a freqüência dos posts mudar - no mínimo, já sei que semana que vem estarei praticamente isolado do mundo em algum recôndito da Sibéria (sem brincadeira), inviabilizando qualquer tentativa de contato com a civilização cibernética...

quarta-feira, 20 de abril de 2011

F & F

É engraçado que aqui eles chamam o Monte Fuji de "Fuji-san". Eu não sou familiarizado com as sutilezas da língua, mas para mim soa algo como "Sr. Fuji", qual fosse uma pessoa - e ainda tratada com certa reverência. Não sei se a idéia é essa, mas faria sentido, afinal ele domina majestosamente o skyline da região em que fica Tokyo e pode ser visto de vários lugares. Mesmo assim, não tivemos muita sorte. Ontem, quando fomos visitá-lo, acompanhados pelos queridos Deyse e Koichi, primos da Gi que moram em Gotenba e privilegiados em ter o extinto vulcão como vizinho, o Fuji-san colocou-se caprichosamente atrás das nuvens, apenas deixando-se entrever durante alguns parcos, mas especiais, momentos do dia. E hoje, ao subirmos na torre do Tokyo Metropolitan Office, uma névoa remanescente - e persistente - tratou de escondê-lo mais uma vez. De qualquer forma, o pouco que vimos impressionou, e justificou o respeito com que se referem a esse senhor de idade avançada.


Mudando de assunto, o meu velho (no bom sentido) amigo Samé, há alguns posts, tinha me alertado, mas só fez me atiçar ainda mais. Como passamos incólumes por terremotos, tsunamis e radiação (toc toc toc - falta ainda um dia), achamos que um mero peixinho não seria o nosso carrasco, e fomos provar o tal do fugu. Pra quem não sabe, trata-se de um peixe que pode ser mortalmente venenoso se fatiado da forma incorreta. Por isso, são poucos os restaurantes que servem a iguaria - na verdade, tanto o estabelecimento quanto o "chef" (sei lá o nome correto do cara responsável por cortar o fugu) têm que ter um tipo de licença própria para isso. Optamos por ir numa rede especializada, com várias filiais no Japão, e em que simplesmente todos os pratos do cardápio levam o peixe potencialmente assassino. Por alguma razão, isso me deu uma certa segurança de que eles não devem estar matando muitos clientes nos últimos tempos.

Bom, como vocês podem perceber, o jantar foi bem-sucedido, afinal estamos aqui para contar história. A saber, o fugu até que é gostoso (ao contrário do que havia lido na internet), principalmente as carnes mais magras. Mas também nada de tão sensacional - realmente a grande diversão é mesmo o risco que você corre (ou acredita correr). 

Enfim, por via das dúvidas, vou passar a chamá-lo de Fugu-san. Respeito é bom e ele deve gostar…

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Ifigenia-san

Hoje fomos na Santa Ifigênia e na Teodoro Sampaio. Nāo, ainda nāo estamos de volta a São Paulo, mas sim a Tokyo, que obviamente também tem o seu mundo maravilhoso dos eletrônicos e dos instrumentos musicais. E que, desnecessário dizer, dāo um pau nos equivalentes tupiniquins.

Em Akibahara, a poluição visual da cidade atinge seu nível máximo com centenas de lojinhas e luminosos anunciando notebooks, câmeras, TVs, microondas e o que mais ligar na tomada. A meca ali é uma loja chamada Yodobashi, com seis andares contendo todas as traquitanas que existem no mercado. Se você não encontrar ali o que procura, o produto simplesmente não existe - como o iPad2 que, descobrimos, teve o lançamento oficial no Japão adiado por conta dos transtornos recentes. 

Mas foi em Ochanomizou que entrei em transe profundo. Uma fileira de lojas de instrumentos musicais realmente incríveis. Encontrei uns dez baixos dos meus sonhos, incluindo Rickenbackers, Yamahas e BC Riches que não vou ver nunca no Brasil. E a preços "pagáveis". E  a loja da ESP (marca japonesa usada por nove entre dez astros do metal, incluindo os caras do Metallica e Slayer) então, que sonho! Infelizmente esse tipo de muamba não cabe na mala da Gi, então fica pra uma próxima, hehehe… Tive que me "contentar" com dois CDs comprados numa loja especializada em heavy metal, que chato! 


Arrematando o dia perfeito, fomos para o animado bairro de Shibuya (foto) e batemos ponto no karaoke - verdadeira instituição do entretenimento japonês que não podia passar em branco - onde foi filmado "Encontros e Desencontros" (Lost in Translation, da Sofia Coppola), com uma vista inacreditável do sétimo andar. Jura o atendente - surdo de um ouvido, descobrimos após alguns minutos - que ele estava ali quando Scarlett Johansson filmou a seqüência clássica em que canta "More Than This" do Roxy Music, uma sala abaixo da nossa. Aliás, para quem não viu a película, sinto informar, sua existência está incompleta!

Parafraseando o famoso slogan: tem coisas que só Tokyo faz pra você…

domingo, 17 de abril de 2011

Western style

Hm, que fome… Tô a fim de comer bem hoje! Pô, última noite em Kyoto, a gente merece fazer uma extravaganciazinha né? Gi, olha só que bacana, aqui no guia tá dizendo que Kyoto é uma das melhores cidades do Japão pra se comer! Tem até um tal de kaiseki, que só tem por esses lados, e olha que sorte, diz também que esse bairro onde a gente tá agora tem bastante desses restaurantes… mas peraí, pelo visto precisamos procurar bem porque muitos deles sāo meio exclusivos, a gente só entra se for indicado! Que dureza, quem a gente conhece aqui? Ah, ninguém. Tudo bem, vamos tentando, alguns devem ser mais receptivos a forasteiros. Hmmm, um monte de lanterna vermelha acesa na porta, bom sinal, olha a foto aqui no livro, são esses os restaurantes! Bom, esse aqui tá funcionando, mas porta fechada e menu só em japonês! E esse outro, então? Até os preços tão em japonês! Aquele ali da frente parece legal, mas olha a cara de máfia da clientela… Melhor andar mais um pouco. Ah! Esse sim, cardápio com foto! Aceita gaijin?? Sei lá, vamos entrando! "Irashaaaaaimaseeeee", eba, fomos bem vindos, perfeito! Finalmente vamos comer o bendito kaiseki, que legal, hoje eu sou rei, hehehe! Adeus udons, ramens, katsus… bom, pelo menos por algumas horas.


Uauuuu, olha essa sala, que incrível! "Japanese style", com tatame, mesinha baixa e o caramba e…, ops, "gomen", já tô tirando o sapato. Que bacana, a gente fica sentado no chão! E olha essas garçon…. quer dizer, as moças que servem os pratos, todas vestidas de kimono, demais!, ah tem que ser a experiência completa né? E aí, como a gente se senta? Ah entendi, não pode mostrar a sola do pé que é falta de educação. Fácil, vou sentar com as pernas cruzadas que nem fazia no pré-primário… putz mas faz tempo né? Caramba, nem me lembro qual foi a última vez… Ah sim, foi na ioga, a propósito lembro muito bem, pois era uma daquelas posturas que eu não conseguia fazer! Que foi Gi? O shoyu tá tombando pro seu lado? Ops, desculpa, é que não consigo cruzar a perna direito, o joelho fica levantado empurrando a mesinha pra cima, hehehe! Vamos já dar um jeito nisso aí e… arigato!, espera um pouco que a moça veio tirar o pedido. Aiaiai, ela não deve estar entendendo nada, essa mesinha toda inclinada. Ufa, pedido feito, vamos lá, tive uma idéia, vou jogar as pernas meio de lado, isso pode né? Nossa, como não pensei nisso antes? Tá certo, fico meio torto, isso vai me dar uma baita duma escoliose, mas tudo bem, pelo menos assim a gente não derruba toda a comida. Hmmm, tão chegando os pratos, um de cada vez, tipo degustação, que incrível!, é o olho da cara mas tá uma delícia… Peraí, tá acontecendo alguma coisa, não tô sentindo minha perna esquerda. Quer dizer, tô sim… tá formigando prum caramba!!! Arigato, moça, o chá que a senhora tá servindo tá com uma cara ótima, mas eu tô a ponto de soltar um berro, não, não tô com dor de barriga não, tá doendo é a minha perna… Como é que fala "perna" em japonês? Ai meu Deus, essa mulher não sai daqui, e eu me contorcendo que nem um lagarto no deserto, agora entendi porque vários desses restaurantes não recebem turista, que vexame! Até que enfim ela foi embora, então vamos lá, nova tentativa, é só esperar a minha perna voltar ao normal, parece até que ela vai cair, devo estar em alguma posição tântrica solitária ainda não-catalogada, acho que tem uns músculos aqui que eu nunca usei, não sei se rio ou se choro e… Gi, travou. Travou, vem cá ajudar, finge que vem aqui pegar um troço na bolsa, dá um jeito na minha perna… Isso. Não, peraí, não dobra não, deixa assim, aaaaaa, respira respira… Brigadão Gi, pronto, já sinto uns dez por cento do dedão do pé, vamos fazer assim agora, última tentativa, o segredo é equilibrar o peso do corpo, vou sentar em cima das duas! Ah, agora assim, dá até pra dar um sorriso. "Oishii-desu", moça, realmente esse takenoko tá uma delicia e… Roberto, parabéns, que idéia genial, se passaram só três minutos e eu não sinto mais nenhuma das duas pernas! Agora eu entendo porque japonês come tão rápido, posso pedir uma cadeira? Não, vexame supremo, pior do que pedir garfo e faca, então tá, vamo que vamo, tá terminando, meu Deus, nada menos "japanese style" que isso, acho que até John Wayne se senta com mais elegância em um saloon do Velho Oeste. Esse é o último prato, nossa, parece que tá mais gostoso que os outros, ai minha perna, seja forte, nhac nhac nhacnhacnhac, acabou!!! Ops, Gi, sim já tô de pé, desculpa a empolgação, quase derrubei a mesa né? De casaco e tudo pra ir embora, só falta o sapato, muito bom o nosso jantar não?, mas ai que arrependimento de ter parado com o Pilates. Olha, até que enfim, livre como um pássaro, como é bom andar, acho que nunca mais consigo sentar assim de novo. A moça veio até trazer a conta e… nossa parece que ela tá dando uma risadinha de lado, mas deve ser só impressão, ops, peraí, o que que ela tá trazendo na mão??

Sobremesa... :s


sexta-feira, 15 de abril de 2011

Toriiiiiiiiii

Existe um templo no sul de Kyoto, chamado Fushimi, em que a grande atração são longos corredores formados por toriis. Recorrendo à Wikipedia: um torii é um "portão tradicional japonês, ligado à tradição xintoísta e que assinala a entrada ou proximidade de um santuário". Pois bem. Chegando lá, vimos que esses corredores são bem mais longos do que a gente esperava - na verdade é um belo dum labirinto! Desistimos de ir até o final (que final?) após termos passado sob mais de quinhentos desses portões, sem exagero. Mas o efeito hipnótico e vertiginoso que eles causam é muito legal - pelo menos deu pra tirar umas fotos interessantes.


Da religião à diversão: à tarde fomos conhecer o Museu Internacional do Mangá. Cá entre nos, ele tem uma seção realmente boa - em dez painéis, conta a história do mangá e explica todo processo por trás da sua criação e comercialização. Porém o resto é um pouco decepcionante. Não por ser um mau museu, mas simplesmente por nem ser um museu; mais correto seria chamá-lo de biblioteca, pois há um enorme acervo dos livrinhos à disposição para leitura. E só! Muito louvável - se eu fosse japonês e tivesse crescido lendo mangás, adoraria. Como nenhuma das alternativas se aplica, fomos embora mais cedo do que o previsto.

Cai a noite, e sem querer - ah, as surpresas! -, dentro de um dos vários parques da cidade, demos de cara com mais uma daquelas coisas que só se vêem por aqui. Eram três senhoras tocando koto, instrumento tradicional japonês semelhante a uma harpa. Pegamos só o finalzinho da apresentação, mas foi o suficiente pra lavar a alma. Tava faltando um pouco de música nessa viagem… Agora não tá mais!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

kyotokyo

Sempre me intrigou o fato de Kyoto e Tokyo terem nomes compostos pelas mesmas sílabas, porém em ordem inversa (uma espécie de palíndromo silábico?) e, ao mesmo tempo, representarem o antagonismo entre o Japão tradicional e o moderno. Imagino que uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas sempre gostei de fazer esse paralelo dentro da minha cabeça. Claro, em certa medida são estereótipos, afinal você encontra templos e arranha-céus nas duas cidades, mas em que outro lugar trombaríamos como uma gueixa caminhando em plena luz do dia a não ser em Kyoto?


Aqui existem alguns bairros onde elas circulam com mais freqüência. Estivemos em um deles (Gion) ao final do percurso sugerido pelo nosso intrépido guia da Folha (sorry pelo merchan, mas o livrinho é bom demais) e que incluía templos, ladeiras e vielas de tempos imemoriais - em meio a diversos ícones associados ao Japão antigo. E foi simplesmente inesquecível - o suficiente para eu já nāo querer voltar mais pra Tokyo, hehehe! Apesar de curto, levamos umas cinco horas para fazer o recorrido, pois é impossível resistir à infinidade de lojinhas de artesanato e comidas locais espalhadas pelo caminho - que, acredite, tem muito mais coisas lindas e bacanas do que qualquer outro comércio turístico de qualquer outra cidade do mundo que eu já tenha visto antes!

Definitivamente, acho que teremos que comprar uma mala maior… :)

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Hiroshima Mon Amour

Às vezes as melhores lembranças de uma viagem são os lugares que você decide conhecer em cima da hora, os passeios não planejados, os descaminhos que você resolve tomar - em suma, tudo aquilo que sai um pouco do script original. E olha que o que não falta nessa minha viagem é planejamento.

Hiroshima já foi uma adição tardia ao nosso roteiro - acabamos preferindo dar uma passada rápida pela cidade ao invés de ficar um dia a mais em Okinawa ou Kyoto. Afinal, não é todo dia que se tem o "privilégio" (aspas obrigatórias) de visitar uma cidade com o histórico (lamentável) desta. E, de ultimíssima hora, resolvemos mudar os planos mais um pouquinho. Explico: já havia ouvido falar (e bem) da ilha Miyajima, que fica na região e é um dos cartões postais do pais, principalmente por causa do torii (portão sagrado) construído no mar - e que parece flutuar sobre as águas. Porém achava que seria impossível conciliá-la no mesmo dia com o resto da visita - no que fui entusiasmadamente desmentido pela recepcionista do hostel. Então, pronto: na parte da manhã, fomos para lá. Não pudemos pegar a maré alta - quando o torii fica ainda mais bonito -, mas valeu muito a pena, pois a ilha, cheia de templos e pagodes (não aquele tipo de pagode!) é maravilhosa.


Perto do meio-dia voltamos a Hiroshima e, claro, nosso interesse era a história relacionada à bomba atômica. Lá, pode-se visitar o Parque Memorial (uma homenagem aos mortos na época), a estrutura que restou do domo da prefeitura (que ainda permanece como lembrança dos horrores da guerra) e o museu pela Paz (que conta tintim por tintim tudo o que antecedeu e sucedeu o triste ocorrido de 1945). É tudo dolorido, pesado e emocionante - mas fundamental pra se entender melhor o ser humano. O museu respondeu várias das minhas perguntas, como por exemplo por que Hiroshima foi escolhida como alvo. É chocante ler a troca de memorandos (para os mais novos, trata-se do bisavô do email) entre a cúpula americana sobre os critérios para definir as cidades que seriam bombardeadas. Fria, pragmática e objetiva, a comunicação foi mais ou menos como decidir onde instalar uma nova fábrica.

O mais bizarro do dia foi, justo em frente ao domo destruído, ter escutado o discursinho chulé de um passante que queria me convencer de que a miscgenação entre as raças é uma coisa nociva. Com a maior petulância, olhava para mim e para Gi com rancor, como se eu fosse um americano que estivesse me aproveitando de uma conterrânea dele! Só rindo mesmo... Juntando tudo, o que ele realmente quis dizer é que, alem de "tacarmos" (quem, cara-pálida?) bombas no país dele, ainda "roubamos" a mulherada. Não saiu barato, pois, falou o que não devia, escutou o que não queria. E perdeu o prumo quando soube que nós dois éramos brasileiros.

É cada um que me aparece!

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Glub Glub

Não mergulho e nem sou um exímio nadador. Por isso mesmo achei bem interessante a idéia de visitar o aquário de Okinawa - é o mais perto que vou chegar, possivelmente em toda a minha vida, de muitas das criaturas do mar. E bota perto nisso! O grande atrativo do Chaurami é um tanque central - cuja grandiosidade vou me abster de explicar, deixando somente que a foto abaixo fale por si - que reúne tubarões, arraias, peixes gigantes e até uma baleia. É lindo e, ao mesmo tempo, assustador - pra se ter uma noção, o vidro do tanque tem mais de 60 cm de espessura!


O aquário fica afastado de Naha, e para chegar lá, só de carro ou excursão. Como a primeira alternativa está vetada de antemão (tenho certeza que dirigir do lado contrário vai me fazer ralar a roda do possante na primeira curva - pra não falar em manobras mais arriscadas na contramão), encaramos novamente um ônibus cheio de turistas. O diferencial, desta feita, é que só havia nós de não-japoneses no grupo, e a guia só falava o idioma local. Cara, confesso que me senti um alienígena. Ou então, numa metáfora mais agradável, uma criança bem pequena que ainda não sabe falar nem entender o que os outros dizem - e tampouco ler ou escrever. Que sensação esquisita! Compensa esse sentimento o fato de que todo mundo aqui tem uma boa vontade e uma simpatia do tamanho do mundo - eles vão até o limite pra tentar te compreender, de algum jeito, e resolver o seu problema. A essa altura, posso dizer sem medo de errar: em nenhum outro país fui recebido de forma tão calorosa e tratado de forma tão amável como no Japão!

Amanhã nos mandaremos para Hiroshima, em mais um capitulo-relâmpago desta viagem - teremos apenas uma noite na cidade arrasada durante a II Guerra.

Wan, Tzu, Shi

No domingo, pegamos um vôo em direção a Okinawa. Só pra localizar, trata-se de um arquipélago ao sul do Japão (e beeeem ao sul - pra se ter uma idéia, algumas de suas ilhas estão mais perto de outros países, como Taiwan), e que já pertenceu tanto aos nipônicos quanto à China - o que explica o fato de alguns aspectos de sua cultura serem uma espécie de mescla das duas civilizações. Por tudo isso, é considerada a região mais "diferente" do resto do país. Além do mais, aqui faz muito calor e o jeito do povo é mais descontraído - tão descontraído que o taxista responsável por nos pegar no aeroporto simplesmente tomou chá de sumiço! Mas, já disse isso aqui, o viajante é antes de tudo um forte, e minutos depois estávamos chegando no hotel - em uma cidade que, ressalte-se, quase ninguém fala inglês.

Ah, e o mais importante - como se não bastasse, é de Okinawa que vieram os avós da Gi, o que torna a visita ainda mais especial. Ela se sentiu em casa quando passamos pela estação "Akamine" do monotrilho e, mais ainda, quando chegamos ao hotel. Adivinha o nome da recepcionista? Rina Akamine!!! 


Como tínhamos só metade do dia, fomos direto ao principal ponto turístico da capital, Naha: o castelo de Okinawa, que foi a sede do reino Ryukyu por vários séculos e dinastias. O palácio, todo revestido em laca vermelha, é lindo por dentro e por fora, e diferente de tudo o que eu já vi na vida. Na frente do local, de tanto me ver tirar foto, uma moça chinesa se prontificou a tirar uma para mim e pra Gi. Todos a postos, ela manda um inacreditável "Wan, Tzu, Shiiii!" (tradução instantânea: "um, dois, três" em algo que remotamente parecia ser inglês) e, claro, nos borramos de rir. Pelo menos saímos bem alegres na foto, hehehe!

Volcano

Após uma verdadeira meia-maratona com barreiras (incluindo estações de trem mal sinalizadas, malas pesadas, escadas rolantes sem funcionar e, mea culpa, um pouquinho de atraso na saída do hotel), conseguimos chegar à estação central de Tokyo para, miraculosamente, adentrar o trem bala com destino a ilha de Kyushu faltando apenas míseros dois minutos pro comboio fechar as portas e zarpar. Eita anjo da guarda bom de serviço! 

Na verdade foram três viagens: de Tokyo a Osaka, de Osaka a Fukuoka e de Fukuoka a Yatsushiro, onde o casal nos esperava para ainda pegarmos umas boas duas horas de estrada ate Hitoyoshi. Cada vez mais longe da civilização, pensava eu (e da radiação, eba!). Mas mesmo numa cidade japonesa comparativamente pequena, como Hitoyoshi, há tanta infra-estrutura que você nunca chega a pensar que está no fim do mundo. De qualquer modo, posso dizer que, pelo menos logisticamente falando, nunca estive tão longe de casa! 



Isso era sexta-feira. No dia seguinte, Lu e Koichi - os melhores anfitriões do mundo - nos levaram para conhecer a região. A primeira (e mais importante) parada era o monte Aso. Considerada a maior caldeira do mundo, o sitio é, na realidade, um conjunto de crateras de vulcões inativos - embora a principal delas (que, sorry, esqueci o nome) costumeiramente ainda expele gases sulfurosos. Demos sorte e pegamos a dita cuja em plena atividade: a concentração dos gases estava no nível três, em uma escala de um a quatro. Um nível a mais, e o lugar estaria fechado pra visitarão por conta dos riscos à saúde!

Mais tarde visitamos um onsen - o nome correto pro tal "banho quente coletivo" do episódio anterior - mas, dessa vez, em um lugar sensacional, onde as águas provem das fontes geotermais da região. Escolado como nunca, consegui praticar a arte como um legitimo oriental - pelo menos desta vez não tomei nenhuma bronca, rarará! O lugar é um complexo de salas de banho e saunas dos mais diversos tipos, uma mais bacana que a outra. Altamente relaxante (te juro, quem dera poder fazer isso todo dia), o que justifica, dentre outras coisas, a saudável longevidade desse povo… 

quinta-feira, 7 de abril de 2011

"Yukata outside!"

Não sei se já havia comentado, mas eu e a Gi estamos ficando em um ryokan. E o que vem a ser um ryokan? Trata-se de uma hospedaria tradicional japonesa, com decoração típica e regida pelos costumes locais. O lugar é ótimo (thanks pela dica, Tere!). Uma coisa que a maioria dos ryokan têm é uma sala de banho quente coletivo. E é claro que eu fui lá experimentar.


Estudei todos os passos do tal banho pra não fazer feio; os japoneses tem regras pra tudo! Enfim, tudo decorado, botei o tal yukata (espécie de quimono usado para lazer) e subi as escadas em direção ao local. Chegando lá, quem disse que havia alguém? Nessas horas é sempre bom você simplesmente observar o que o outro cidadão esta fazendo e imitar, com aquela cara de quem freqüenta o local ha muuuuuito tempo (ah vá!). Bom, uma coisa que os manuais não diziam era se você tirava o yukata dentro da casa de banho ou na ante-sala. Resolvi dar um passo pra dentro do ambiente quando, subitamente - iáááááá!!! -, de algum lugar que até agora não sei, com a agilidade digna de um Sr. Miyagi, surge um japonês peladão e vocifera:  "Yukata outside! Yukata outside!" Ops, "desculpa, já entendi", assim mesmo em português, para agilizar minha saída pela direita. Tinha que deixar o quimono ali fora, num cabide, e entrar na casa de banho nuzinho com a mão no bolso. Enfim, cumpri o ritual e fui mergulhar na água quente até que o figura se evadisse do local (tive que esperar até minha pele quase descolar do corpo, porque o dito cujo praticamente tirou um cochilo ali) para poder cometer mais gafes sozinho, tranqüilamente! 

***

Amanhã, sexta-feira, vamos visitar a irmã da Gi, que mora com o marido em uma cidade na ilha mais ao sul do Japão, Kyushu. Acho que vai ser interessante - vamos, com certeza, ver um país bem diferente do que este que conhecemos em Tokyo…

Old & New

Voltando algumas horinhas no tempo, hoje foi um dia dedicado a museus - ame-os ou odeie-os, não há viagem sem eles. 

Começamos pelo Museu Ghibli, uma mais-que-bem-vinda sugestão da Gi. A compra da entrada foi uma via-crúcis: tem que ser feita com bastante antecedência, em agências de turismo especificas, e marcando dia e horário para a visita. Pra se ter uma idéia, os nossos ingressos foram comprados há duas semanas, em Sydney (só a essa história já valia um post, mas deixa pra lá). Para quem não sabe, o Ghibli é dedicado à obra do Hayao Miyazaki, um dos maiores diretores de filmes de animação do mundo, e cuja produção mais famosa no Brasil é o clássico "A Viagem de Chihiro". Nem as informações exclusivamente em japonês, nem o meu relativo desconhecimento do trabalho do cara foram suficientes pra quebrar o encantamento. Em uma casa de formas idílicas, que mais parece ter sido projetada pelo Gaudí, o museu é um libelo a uma forma de arte praticamente fadada ao desaparecimento: a animação feita totalmente à mão, sem quaisquer recursos computacionais. Para quem gosta de desenhar como eu, foi emocionante ver como é o processo de animação quadro a quadro, entender como se escolhem e se definem as cores e, principalmente, folhear cópias dos roteiros originais dos filmes do Miyazaki. Simplesmente sensacional.


À tarde, optamos por um diametralmente oposto, o tradicional Museu Nacional de Tokyo. A idéia era chegar a tempo de circular ali por uns noventa minutos, mas para nossa surpresa, o horário de fechamento havia sido antecipado em uma hora. Sem pestanejar, topamos o desafio e batemos um recorde mundial: "conhecemos" a história toda do Japão - e aí se vão séculos e séculos - em pouco mais de meia hora! Budismo, samurais, quimonos, arte do período Edo, louças, espadas: nada escapou do nosso olhar apressado! Uma pena, lógico que deu dó de fazer a coisa desse modo; por outro lado, numa viagem apertada como a nossa, provavelmente teríamos dificuldade de voltar ali outro dia - haja vista que o museu fica nos cafundós do Parque Ueno. Mas para quem for a Tokyo, duas dicas: (a) não deixe de visitá-lo, vale muito a pena (principalmente se for o único museu que pretende visitar, pois lá tem de tudo); e (b) se puder, reserve umas três ou quatro horinhas para o tour completo… :)

Heaven & Hell

Sabe aqueles dias durante a viagem em que tudo dá certo? 

Foi ontem à noite. Botei na cabeça que queria comer um sushi, afinal já estava farto de ramens, katsus (ops) e quetais. Saimos meio que ao léu pelo bairro de Asakusa, onde me parecia que teríamos algumas opções. O problema é que nós brasileiros estamos acostumados a jantar tarde, e isso pode ser um problema em muitos lugares - inclusive aqui em Tokyo. Chegamos ali perto das 23h (OK, isso é tarde pra jantar até no Brasil) e havia pouca coisa aberta. Quando estávamos praticamente desistindo da empreitada (leia-se topando encarar qualquer hambúrguer), eis que escuto no meio da noite: "Roberto-san!!" Uau, tô famoso ate aqui, rareará! Era a Miwa, moça que trabalha no hostel em que fiquei. Que salvação!! "Miwa, conhece algum sushi bom por aqui?" perguntamos, ao que ela, atenciosamente como sempre, respondeu: "Roberto-san, tem um ótimo que já fechou, mas um outro fica aberto 24 horas. Só que nesse o sushi é mais ou menos". Hmmm… tudo bem, pelo menos o jantar estava garantido!

Confesso que tinha o receio de me decepcionar tanto quanto aqueles que já comeram pizza na Itália (eu nunca estive lá) e acharam as de Sampa melhores. Ledo engano! Se esse era o "não tão bom", imagino como seria o tal outro. Pedimos dois combinados, um de sushi - cuja "estrela" era um pescado na sua frente, direto dum tanque - e outro de sashimi, e estavam ambos absolutamente sensacionais! Acho que dá pra ver minha cara de felicidade. Devo até ter sonhado com o jantar mais tarde…


E sabe aqueles dias durante a viagem em que tudo dá errado?

Foi hoje à noite. Botamos na cabeça que queríamos ir em um izakaya (típico "bar" japonês onde se servem bebidas e algumas porções). Saímos meio que ao léu pelo bairro de Shibuya, onde me parecia que teríamos algumas opções. Já tínhamos aprendido a lição da noite anterior, mas dessa vez tratava-se de um boteco, certo? Ledo engano. O lugar que tentamos entrar - com recomendação de ser um dos melhores izakayas de Tokyo - fechava dali a pouco, às 23:30. Que coisa mais sem graça! Desistimos da empreitada e resolvemos, agora sim, encarar qualquer hambúrguer. Dessa vez não escutamos nenhuma voz salvadora no meio da noite. Ao contrário, quando estávamos no meio do percurso do metrô, tentando voltar para o hotel, eis que ele pára em uma estação, toca um sinal, todo mundo abandona o trem e passa um policial retirando os desavisados. "No more train", ele disse; havia-se encerrado o expediente dos vagões e locomotivas.

Mais de uma hora da manhã, e dá-lhe recorrer ao derradeiro expediente: táxi. Após uma filinha básica (composta pelos co-irmãos órfãos do metrô), entramos num deles (as portas abrem e fecham sozinhas, que loucura!), entreguei o mapa nas mãos do motorista - e de Deus, ou Buda, seja lá quem for. Durante o trajeto, o cidadão tasca inúmeras olhadelas no mapa e no GPS, com uma baita cara de perdido. Só sei que, passada meia hora e algumas voltas em círculos, o queridão simplesmente parou o carro, me apontou o mapa e desandou a falar japonês - como se nós entendêssemos. Mas, pensando bem, tínhamos entendido: ele sabia que o hotel ficava "por ali" mas não exatamente onde! Pedi desconto no preço (prontamente concedido) e andamos os últimos duzentos metros dessa jornada de regresso que parecia infindável.

A propósito, mais uma curiosidade sobre Tokyo. Como deu pra perceber, até quem conhece a cidade se perde facilmente. Por mais estranho que pareça, muitas ruas não tem nome, e os endereços são todos baseados no número do quarteirão (!!). Ou seja, você tem que saber em que bairro fica o endereço e, de quebra, ter um mapa com os números dos quarteirões da região. É mole?

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Freaky Styley

Eu comentei há alguns posts que estava no famoso "economode". Quer dizer, não usei esse termo, mas foi o que quis dizer: estou incorporando o espirito mochileiro em todos os aspectos, inclusive no bolso. Hoje quebrei o pacto que tinha comigo mesmo: não resisti a uma jaqueta que encontrei em uma loja estilosa de Harajuku. Além de muito bonita e diferentona (não muito, rs), me serviu perfeitamente - e eu estava realmente precisando de uma jaqueta preta. O que mudou? Agora tenho uma companhia feminina, o que sempre confere um valioso empurrãozinho na hora de comprar umas roupitchas novas! Além disso, poderei despachar a muamba para o Brasil através da minha emissária internacional Gisella Transportation Ltd., já que na minha mala continua não cabendo nada (isso não mudou).

Deve ter algo muito errado quando um brasileiro vem a Tokyo (cidade que sempre levou a fama merecida de ser uma das mais caras do mundo) e começa a achar tudo barato. Ou, pelo menos, menos caro que São Paulo. Senão vejamos: essa minha jaqueta, por exemplo, me custou honestos 50 dólares, enquanto que uma equivalente em terras tupiniquins não sai por menos de 200 reais. E não é so isso, praticamente tudo está mais barato - menos, talvez, as bebidas, que aqui são uma facada. Eu não estou ficando louco, né? Se Tokyo fosse um pouquinho mais perto e a passagem mais acessível, apostaria minhas fichas que os futuros papais destronariam Miami na preferência internacional para as compras do enxoval do bebê. Afinal, aqui tem muita coisa diferente, bacana e bem feita - salvo exceções, o "made in Japan" ainda é garantia de qualidade.


Falando em roupa, observar os modelitos do povo aqui é diversão garantida. Não estou falando no sentido negativo, pelo contrário. O japonês se veste de um jeito muito peculiar. À sua maneira, eles são bem estilosos. E não apenas os jovens; aqui e ali, vêem-se até senhores e senhoras com visual descolado. O curioso é que não existe uma tendência clara seguida por todos (como comumente vemos em Sampa); na verdade, cada um bola o seu jeito de se vestir. Abusam de sobreposições, misturam peças que aparentemente não combinam entre si, mas, misteriosamente, o resultado final é sempre interessante. E tem sempre aquelas aberrações divertidas - tipo, pessoal fantasiado de cosplay em plena luz do dia. Óbvio que, pra tudo isso, existe um contexto (o mesmo visual em outra cidade talvez não fizesse sentido), uma atitude, um biotipo favorável (são todos magros) e uma tremenda aceitação da comunidade (você pode sair até vestido de sapo que ninguém vai te olhar torto). Mas que não deixa de ser admirável tanta criatividade e originalidade, isso é fato!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Good Morning, Sir

Tinha me programado para acordar bem cedo pra encontrar a Gi em Narita, pois além de o aeroporto ser bem afastado de Tokyo, sempre há a possibilidade de rolarem atrasos por conta do racionamento de energia. Meu celular tentou me pregar uma peça, não tocando na hora programada, mas mesmo assim consegui chegar a tempo no aeroporto - para só então descobrir que o vôo estava atrasado em uma hora…

Até aí tudo bem. O problema foi justificar para os policiais do aeroporto o que eu estava fazendo na área de desembarque, cheio de malas (explico: a gente iria mudar de hotel). Ou eles encanaram mesmo com isso, ou eu estava com uma cara de bandido do caramba, pois nada menos do que QUATRO policiais diferentes, em momentos diferentes, me pararam pra dar uma geral - perguntar o que eu estava fazendo ali, pedir meu passaporte e número de celular -, mas sempre na maior educação. Sorrisos, "por favor" e "good morning sir" pra dar e vender. Acho que eles não tinham muito o que fazer, pois o único lugar vazio de Tokyo é o aeroporto!


Atrasos, deslocamentos e check-in superados, tínhamos ainda um restinho de tarde para aproveitar o sol no parque Ueno - um dos principais de Tokyo - e curtir o sakura. É impressionante como nessa época, cada dia faz diferença - hoje as árvores já estavam mais carregadas do que ontem. E assim por diante, mas por pouco tempo - alguns dias ou poucas semanas -, até que elas caprichosamente sequem de novo. Aproveitamos gastar o memory card da câmera fotográfica sob o que, in loco, mais parece um teto de algodão-doce. 

No mesmo parque ainda há um zoológico que acabou de receber dois pandas gigantes nesta semana. Ainda não fomos vê-los, mas deu pra notar que os bichinhos subitamente (e involuntariamente) se tornaram os garotos-propaganda mais onipresentes da cidade. Camiseta, chaveiro, celular, creme pro corpo, seguro de vida: tudo aqui leva a forma, o rosto ou nome dos novos queridinhos do pedaço. Me pergunto quem ainda cai nessa!

Gi, me manda mais um desses biscoitinhos de panda?… :)

domingo, 3 de abril de 2011

Punk Rock Hardcore

Comecei a me sentir gente de novo não somente após o sono dos justos que tive esta noite - e também não somente por descobrir que posso ter uma alimentação decente sem deixar as calças -, mas também por constatar que aqui a internet é gratuita em praticamente todo o canto. Aliás, quando perguntei isso pra moça do hostel ela quase se ofendeu!

A primeira coisa que salta aos olhos é que aqui tem MUITA gente. É impressionante: em qualquer lugar você se sente parte de um formigueiro humano. Observar uma simples travessia na faixa de pedestres é uma experiência em si! Não me contive e dei risada quando vi uma cena inédita: aqui há guardas de trânsito de pessoas! Sim, em Harajuku - bairro da foto onde o termo "formigueiro" ganha uma conotação ainda mais especial -, havia homens fardados dedicados somente a dividir o sentido do fluxo de pedestres! Ali não tem como ter pressa. Tampouco parar pra amarrar o cadarço do sapato.



À tarde, saímos eu e o Nuno (português companheiro de quarto, gente boníssima - e, junto comigo, um dos treze estrangeiros visitando o pais atualmente, hehehe) para conhecer um pouco mais da cidade, e fomos parar em um parque chamado Yoyogi. O bacana é que as cerejeiras estão começando a florir, ou seja, vai dar pra aproveitar bem o hanami nos próximos dias. O que eu não esperava era encontrar, dentro do parque, uma banda de hardcore japonês mandando bala em seu repertório tosco e barulhento, cercado de fãs enlouquecidos e vestidos a caráter - jaqueta de couro, calca rasgada e camiseta do Discharge ou do GBH. Isso tudo ao lado de senhoras caminhando com seus cachorrinhos, casais namorando (do jeito deles, bem discretamente) sob a sombra das árvores, e grupos de amigos do trabalho fazendo piquenique. É, meu amigo, diversidade é isso aí!

No final do dia, passamos no templo de Asakusa (que, não sabia, é um dos mais tradicionais de Tokyo - thanks Angélica!) e resolvi tirar um papelzinho com a minha sorte. Que inacreditavelmente profetizava: "The person you are waiting for will come soon". 

Gi, até daqui a pouco! :)

sábado, 2 de abril de 2011

Spectreman

No geral eu era uma criança comportada, mas claro que às vezes passava dos limites. Nessas horas minha mãe, sempre muito inteligente, sabia bem como me castigar: era só me tirar a TV na hora do Spectreman. Sim, aquele seriado pré-Jaspions-da-vida em que, a cada episódio, a cidade de Tokyo era destruída por algum monstro com zíper nas costas - para logo reaparecer inteirinha no episódio seguinte.

Com uma lembrança forte dessas, tentem imaginar qual a minha emoção ao desembarcar (leia-se emergir de uma das mil estações de metrô) na capital nipônica, à noite. É realmente uma sensação muito diferente - e boa - estar, pela primeira vez, em meio àqueles letreiros iluminados, coloridos e ininteligíveis. Melhor do que isso, só a sensação de vitória por ter conseguido chegar no meu endereço sem errar uma conexão de trem ou virada de esquina sequer. Yesss!


O hostel em si, novinho em folha, é uma graça - decorado bem à moda local, mas sem forçação de barra. Aqui você não pode vir com meia suja ou furada, pois em muitos lugares é preciso tirar os sapatos antes de entrar. Para coroar a noite, minha primeira experiência gastronômica saiu melhor que a encomenda: a duas quadras do hostel (que aliás fica numa região muito bacana chamada Asakusa, onde se encontra o karaoke da foto), encontrei um restaurante pequeno e informal, onde comi um udon sensacional e a um preço bem honesto. Já foi melhor do que qualquer refeição que eu tive nessas três ultimas semanas! E lógico, inglês nem pensar, mas a mímica serve pra que? 

Amanhã farei algo inédito na minha viagem até agora: dormir até mais tarde, sem ter hora pra acordar! Nem acredito... E na segunda-feira receberei minha querida Gi para matarmos todas as saudades!

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Queria agradecer, de verdade, a preocupação sincera e carinhosa que todos tiveram com a minha ida ao Japão. Como deu pra perceber, após muito pensar sobre o assunto, eu e a Gi decidimos manter a viagem. Sei que é uma decisão polêmica, mas tenham certeza de que foi tomada com muito critério e consciência, levando em conta não só as notícias que foram divulgadas como também os relatos de quem mora aqui. Enfim, confiamos que vai dar tudo certo e espero termos só boas histórias pra contar nas próximas semanas!

Vodka Cola

Meu último dia em Perth foi dedicado ao Kings Park, uma área verde gigante que é motivo de orgulho pra todo mundo que mora aqui. Em dado momento, após andar alguns quilômetros lá dentro, não resisti: deitei na grama, sob uma sombra deliciosa, e dei uma senhora cochilada. Me senti um legítimo australiano quando acordei e notei que ninguém havia roubado a minha mala nem minha câmera fotográfica! No Brasil o mínimo que pode acontecer é aparecer, do nada, alguém da Opus Dei tentar te converter antes que você caia no sono! Rarará!

Na verdade, embora o parque seja realmente bacana, o melhor foi chegar mais cedo na casa do Brendan e da Dri (que foram os melhores anfitriões do mundo!) e passarmos o fim de noite batendo altos papos regados a vodca com Coca-Cola. Infelizmente já chegava a hora de ir embora (meu vôo estava marcado para incríveis 4h40 da matina)...



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Aproveitando, vale a pena fazer um apanhado geral da Austrália.

 - O país realmente parece ser uma Eldorado dos tempos atuais, a nova Terra Prometida. Esse lance de juntar um clima maravilhoso e uma qualidade de vida excepcional realmente tem atraído muita gente. É impressionante a quantidade de estrangeiros que eu cruzei que estão tentando (e fazendo) a vida por aqui. 

 - Talvez por receber tantos gringos, uma coisa engraçada foi notar que, em algumas grandes avenidas, eles colocam umas placas de trânsito escritas assim: WRONG WAY - GO BACK, em um vermelho gritante, obviamente viradas para o lado da contra-mão, visando informar os incautos que ainda não aprenderam que aqui se dirige do lado esquerdo.

 - Aliás, decidi não tentar entender de que lado vêm os carros na hora de atravessar a rua. Optei por sempre olhar pros dois lados e pronto. Mais fácil!

 - Um dos meus passatempos prediletos era tentar entender a diferença entre as bandeiras da Austrália e da Nova Zelândia. Quando estava quase conseguindo, descobri que tem uma boa parte da população que apóia a mudança da bandeira por achar que ela, britânica que só, não representa mais à altura o país. E as cores dessa nova bandeira provavelmente seriam quais? Verde e amarelo, como envergam os times nacionais de rugby e futeb… ops, soccer.

 - Falando em esportes, o que faz sucesso aqui mesmo é o tal do futebol australiano, um primo próximo do rugby, mas jogado em um campo oval (!).

 - As moedas são um show à parte. A de dois dólares é menor que a de um dólar. E as de centavos são todas maiores que a de dois dólares - mas na proporção correta entre si. Ou seja, um samba do crioulo doido. Ao fim de duas semanas, ainda não tinha me acostumado. Pra pagar qualquer coisa, dava um monte de moedas na mão do vendedor e pedia pra ele tirar as que precisava…

 - O australiano típico tem cabelo laranja, pele cor-de-rosa e olho azul. E um sotaque, se comparado ao dos neozelandeses, facílimo de entender :)